As 24 horas do dia do carioca

Amaury Souza


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Apresentação

O pioneirismo de Amaury de Souza

Por Mariana Pereira de Castro (Unicamp)*

Amaury de Souza foi um notável cientista político brasileiro e um dos fundadores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Após se desligar do IUPERJ, em 1987, Amaury passou a atuar principalmente como consultor político e como pesquisador colaborador em importantes universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior. Ao longo de sua carreira, se destacou por seu pioneirismo e pelo afinco com o qual se dedicava ao seu trabalho. Apesar de tratar de vários temas, se firmou como um dos mais relevantes nomes brasileiros no desenvolvimento de metodologias empíricas aplicada à pesquisa sociopolítica.

O trabalho que agora apresentamos, intitulado “As 24 horas do dia do carioca”, deixa entrever estas características. Trata-se da primeira pesquisa brasileira sobre uso do tempo. A coleta dos dados foi realizada em 1973, na área urbana do estado da Guanabara, e os resultados da pesquisa foram apresentados na forma de um relatório ao IUPERJ em 1976. A pesquisa de Souza foi inspirada pelo trabalho realizado pelo pesquisador húngaro Alexander Szalai entre as décadas de 1960 e 1970.

As pesquisas coordenadas por Szalai tiveram grande repercussão internacional, em especial por suas comparações entre os padrões de uso do tempo e qualidade de vida em países do bloco capitalista e socialista, marcados pelo ambiente da guerra fria. Entre os muitos trabalhos coordenados por Alexander Szalai, destaca-se o publicado em 1972, intitulado “The use of time: daily activities of urban and suburban populations in twelve countries”. Foi a partir deste trabalho que Amaury de Souza desenhou sua pesquisa na Guanabara, gerando assim dados brasileiros comparáveis com os dos outros doze países participantes da pesquisa principal.

Muito interessado pela temática do planejamento urbano, Amaury de Souza buscou identificar em sua pesquisa a posição de uma grande metrópole brasileira em relação à qualidade de vida, quando comparada com outros países do mundo. Apesar do estudo estar voltado à esta preocupação principal, Souza apresentou dados relevantes sobre as desigualdades sociais no Brasil, em especiais as desigualdades de gênero e de renda. O autor ressaltou as profundas desigualdades brasileiras, demonstrando então que o acesso à uma melhor qualidade de vida é restrito a apenas alguns grupos sociais. Desta forma, o trabalho de Souza se mostra relevante e bastante atual para as mais diversas áreas das ciências sociais.

Ressalto ainda a robustez e sofisticação da pesquisa realizada por Souza, tanto do ponto de vista teórico, quanto metodológico. Seu pioneirismo se destaca não só pelo tema da pesquisa, mas também pelo desenho metodológico e o uso de programas computacionais para a codificação dos dados, algo pouco acessível na época. É interessante notar que, neste trabalho, Amaury de Souza não só propõe algo inédito no Brasil, como dialoga com os principais intelectuais internacionais que discutiam o tema no momento, algo louvável em um contexto sem as facilidades da internet. Assim, além de apresentar um trabalho excelente, Souza nos brinda com a indicação de uma brilhante bibliografia, que contém textos até hoje não publicados no Brasil, e que são do interesse de todos os estudiosos da área.

Apesar da grande relevância do estudo, a pesquisa “As 24 horas do dia do carioca” até então não havia sido publicada e só estava disponível para consulta e fotocópia no acervo da biblioteca do IUPERJ. Acredito que a publicação deste trabalho em formato digital será uma bela forma de homenagear o legado deixado por Amaury de Souza e de promover o acesso ampliado a esta obra tão importante e ainda tão pouco conhecida.

*Pesquisadora feminista, Doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp. E-mail: marianapereiracastro@gmail.com

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As 24 horas do dia do carioca

Por Amaury de Souza

Baixe aqui o arquivo original.

“Existe uma época para cada coisa e um tempo para cada propósito. Um tempo para plantar e um tempo para colher; um tempo para amar e um tempo para morrer” – e, nos dias de hoje, existe inclusive um tempo para que as pessoas sejam indagadas sobre como gastam o tempo. Disto se trata este estudo, baseado no registro detalhado da distribuição dos 1.440 minutos do dia do carioca entre 72 atividades possíveis. Os eventuais méritos desta pesquisa devem, portanto, ser creditados à paciência dos 255 moradores da cidade do Rio de Janeiro que se dispuseram a partilhar conosco o seu cotidiano[1].

O objetivo deste estudo é simples. Cada ser humano recebe, à meia-noite de cada dia, uma nova parcela de 24 horas a serem alocadas para diferentes atividades de sua vida. “O tempo físico”, lembra Szalai, “é provavelmente a única coisa igualitariamente distribuída entre os seres humanos, a única coisa da qual todos recebem a mesma quantidade e da qual todos podem gastar o mesmo montante: 24 horas por dia, nem mais, nem menos”[2]. Mas a maneira como cada ser humano gasta sua quota diária, como deve e como pode usar seu tempo, varia consideravelmente, refletindo a estrutura da sociedade a que ele pertence. Essa assimetria entre a oferta fixa e finita de tempo diário e a sua distribuição entre diferentes atividades vitais pode ser melhor compreendida através do artifício de se dividir o fluxo temporal em unidades discretas de alocação. Para um mesmo grupo humano vivendo sob condições similares, pode-se conceber que parte de sua rotina cotidiana se realize dentro de um montante fixo de horas, no sentido de que o uso desta parcela de tempo seja social ou fisiologicamente compulsória. Por exemplo, uma pessoa necessita de seis horas diárias de sono; deve trabalhar oito horas por dia e gastar entre uma e duas horas em viagens entre a casa e o trabalho. As sete ou oito horas restantes constituem o seu tempo livre, parte do qual é regulado por convenções sociais, tais como obrigações familiares ou de associação, e parte por preferências individuais[3]. A questão básica consiste em saber qual é a relação entre os montantes relativos de tempo alocados para usos social e fisiologicamente compulsórios e para usos discricionários, e é neste sentido que se pode falar do estudo dos orçamentos de tempo da população humana.

Um bom exemplo desta interpretação nos é fornecido pelo estudo de uso do tempo realizado por Alexander Szalai em uma fábrica nos arredores de Budapeste. Dado o relativo isolamento da fábrica, Szalai observou que o montante de tempo gasto pelos trabalhadores nas viagens diárias entre a casa e o trabalho variava consideravelmente, de um mínimo de 30 minutos a um máximo de cinco horas. Ora, considerada a propriedade de igual distribuição do tempo físico, se mais tempo é gasto em uma certa atividade, menos tempo haverá disponível para outros usos. Na medida em que a jornada diária de trabalho era socialmente fixada em oito horas e meia, o aumento do tempo gasto em transporte só poderia comprimir os montantes de tempo de sono e de lazer. Equivale dizer que, dentro de um mesmo quadro temporal de referência, a duração das várias atividades vitais pode ser reduzir ou se expandir até os limites dos gastos de tempo social e fisiologicamente compulsórios. Neste sentido, torna-se possível a análise da elasticidade das atividades cotidianas, isto é, de sua capacidade de expansão ou de contração, dado o volume relativo da parcela fixa de tempo. O ponto a ser enfatizado é que os valores de compressão ou se expansão variam largamente entre diferentes atividades e entre diferentes grupos da população[4].

Estes mesmos valores também variam em função da organização espacial das atividades humanas, como os resultados do estudo de Szalai deixam entrever. Na cidade moderna, dada a separação do local de residência e do local de trabalho e a consequente espacialização funcional do território urbano, o tempo gasto em transporte torna-se uma parcela fundamental do uso socialmente compulsório das vinte e quatro horas do dia. Não resta dúvida que o tempo gasto em transportes pode ser individualmente manipulado – mas apenas dentro dos estritos limites do orçamento familiar. Pois este gasto de tempo revela, em larga medida, os processos determinantes da localização residencial, os quais, excetuados a oferta de unidades domiciliares, o espaço físico disponível e idiossincrasias individuais, são função dos recursos econômicos da unidade familiar[5]. E dado que não apenas os locais de trabalho, mas os serviços e até mesmo os centros de lazer tendem progressivamente a migrar para diferentes áreas funcionais, as soluções individuais (exceto a decisão de se confinar indefinidamente à própria residência e retornar a uma forma qualquer de economia natural) se afiguram razoavelmente inconsequentes.

A máxima aristotélica de que os homens procuram a cidade para a sua própria proteção, mas nela permanecem pela vida melhor, soa estranha aos ouvidos contemporâneos, torturados pelos congestionamentos de tráfico e pela poluição. A organização espacial da vida humana impõe custos diferenciais às pessoas e aos grupos sociais, aumentando ou diminuindo os seus montantes de tempo para usos discricionários e até mesmo determinando a natureza, o custo e a qualidade do lazer que lhes é facultado usufruir. Estas são as variações capturas pelo estudo de orçamentos de tempo e esta é a contribuição deste instrumento de análise ao planejamento urbano[6]. Porque a cidade, como quer Deutsch, pode ser melhor concebida como uma “imensa máquina de comunicação, um artefato para aumentar o escopo e reduzir o custo das escolhas individuais e sociais”[7]. A vida melhor ou, para utilizar o jargão moderno, a qualidade da vida urbana ganha, neste contexto, um sentido mais preciso – o da equidade na distribuição de custo e benefícios para a população.

Em suma: a vida melhor pertence à cidade que possibilite à sua população maior acesso ao maior número de modos alternativos de vida. A maneira como a cidade (e, em última instância, a sociedade) impõe gastos diferenciais de tempo físico à sua população – restringindo pois o escopo e aumentando o custo de suas escolhas – é uma medida da qualidade de vida que ela pode proporcionar aos que a procuram. É o propósito deste trabalho avaliar em que ponto desta escala se coloca uma metrópole brasileira.

O Uso do Tempo na Guanabara

É dever de honestidade do pesquisador alertar o seu leitor para as potencialidades e limitações dos dados em análise. Para não taxar em demasia o texto e a paciência alheia, a descrição da amostra e dos instrumentos de pesquisa pode ser encontrada nos apêndices I e II. Entretanto, seria imodesto supor que todos os leitores se lançarão resignados à análise destes textos, ambos de leitura árida. O mínimo de informação para a avaliação dos resultados é o seguinte: (1) a amostra de 255 pessoas é representativa da população adulta, na faixa etária entre 18 e 65 anos, residente na área urbana da Guanabara[8]; (2) os dados foram coletados via entrevistas baseadas em um questionário e no Diário de Tempo; (3) este Diário  de Tempo, modelado à semelhança de um diário de consumo familiar, registrou o tempo gasto em cada uma das atividades empreendidas pelo entrevistado durante as 24 horas do dia imediatamente anterior ao dia da entrevista; (4) para cada uma das 72 atividades possíveis, registrou-se no Diário a sua duração em minutos, a hora de seu início, a ocorrência ou não de outra atividade simultânea, o local e as pessoas em cuja eventual companhia foi realizada a atividade em questão; todas as atividades foram mais tarde agregadas em classes amplas, e (5) os dados foram ponderados para garantir igual representação aos sete dias da semana. Infelizmente, os detalhes operacionais da agregação e da ponderação dos dados requerem a consulta, por breve que seja, dos apêndices. Finalmente, cabe ressaltar que as tabelas mostram o tempo médio em minutos para as atividades analisadas; caso o leitor prefira pensar em termos de horas e suas frações, consulte a tabela de conversão do apêndice III.

Existem fatores múltiplos que determinam a alocação diferencial de tempo entre diferentes atividades. É óbvio, por exemplo, que uma mulher tem muito maior probabilidade de dispender 2 horas diárias em tarefas domésticas do que um homem. Por impossível que se afigure a tarefa, há que se tentar distinguir a operação dos fatores pertencentes à organização espacial daqueles outros fatores ancorados na divisão social do trabalho. Para tanto, o caminho mais seguro é analisar de imediato a operação dos fatores mais simples – a estrutura dos orçamentos de tempo entre os sexos e entre os dias úteis e os fins de semana, conforme os resultados da tabela abaixo.

Tabela 1 – Tempo médio em minutos por atividade por sexo e dia da semana

  Dias Úteis Finais de Semana
Atividades diárias Homem Mulher Total Homem Mulher Total
Trabalho 281,7 141,1 211,4 145,8 143,4 144,6
Serviço doméstico 43,8 255,1 149,4 17,0 174,8 95,9
Compras e afins 48,2 36,0 42,1 30,3 12,5 21,4
Cuidado de crianças 9,7 50,1 29,9 13,0 29,5 21,3
Cuidados pessoais 637,4 621,2 629,3 644,6 656,3 650,4
Viagens pessoais 77,1 74,2 75,7 78,4 87,6 83,0
Estudo / Participação 46,6 27,7 37,2 8,1 24,3 16,2
Comunicação de massa 150,5 123,1 136,8 114,2 112,4 113,3
Atividades de lazer 151,1 115,0 133,1 390,0 189,3 289,7
Total ponderado (75) (118) (194) (35) (41) (77)

 

A categoria “trabalho” não diz tanto como apresentada, pois o tempo médio foi calculado para toda a população, inclusive os que não trabalham. Mas o dia típico do carioca poderia ser assim descrito: cerca de três horas diárias são gastas em trabalho remunerado e outro tanto em tarefas domésticas. Sono, alimentação e higiene pessoal exigem entre 10 e 11 horas do dia. Uma hora e pouco é gasta diariamente em transporte, aí incluídas as viagens para compras, serviços, educação, lazer e acompanhando crianças; a viagem da casa para o trabalho é considerada parcela do tempo gasto em trabalho. Estudos e participação (atividades religiosas e participação em associações voluntárias) demandam uma modesta parcela de menos de 30 minutos diários. Sobre o montante de tempo livre, a ser alocado segundo as preferências e/ou recursos individuais: cerca de 5 horas e meia por dia, a serem gastas em visitas, conversando, lendo, vendo televisão, praticando esportes ou simplesmente não fazendo nada.

Esta tabela confirma fatos que a observação desarmada já havia registrado há longo tempo. Por exemplo, a leitura da categoria “cuidados pessoais” revela que o fim de semana é usado para recuperar o sono perdido durante a semana, ainda que esta recuperação implique apenas o bônus de uma meia hora extra. O tempo médio alocado para serviços domésticos diminui em cerca de uma hora e vinte minutos, e estudos e participação não exigem mais do que 15 minutos diários do fim de semana. O tempo gasto em transportes urbanos permanece praticamente constante. O tempo de lazer muda abruptamente, deixando o carioca com 2 horas extras diárias durante o sábado e o domingo.

A comparação dos orçamentos de tempo de homens e mulheres ressalta as diferenças mais marcantes desta tabela. Tomemos o orçamento de tempo masculino por padrão: salta aos olhos o fato de que a mulher trabalha duas horas e meia menos do que o homem. Ora, o tempo gasto em transportes é praticamente o mesmo, cuidados pessoais exigem aproximadamente o mesmo tempo, não obstante o homem dormir em média 15 minutos a mais que a mulher. A questão é óbvia: onde foram alocadas as 2 horas e 20 minutos poupadas ao trabalho feminino? Certamente não foram gastas em lazer, pois a mulher dispõe em média de uma hora a menos que o homem. Nem em estudos e participação, pois a parcela feminina é quase que a exata metade do gasto de tempo masculino nestas atividades. A resposta está no tempo médio gasto em tarefas domésticas: 4 horas diárias a mais para a mulher, 4 horas subtraídas de seu lazer, de sua educação e de seu trabalho. A tabela deixa claro que o homem deixa quase que exclusivamente a cargo da mulher as tarefas de cozinha, de limpeza da casa e das roupas e a supervisão e educação das crianças, partilhando apenas a tarefa de fazer compras para o domicílio.

É de se esperar que o leitor masculino esteja a dizer a si mesmo a esta altura que tudo isto decorre do fato do homem trabalhar mais tempo do que a mulher. A suposição subjacente a este raciocínio é a de que as taxas de compressão destas atividades sejam invariantes em relação ao sexo. Ou seja: se o homem trabalhasse o mesmo tempo que a mulher, então ele chamaria a si uma parcela proporcional da demanda por tarefas domésticas. A hipótese é atraente, mas dificilmente verdadeira. Dada a importância do sexo na divisão social do trabalho, é mais plausível supor que o tempo assim liberado seja alocado para aquelas atividades cuja demanda se faz clara no exame do orçamento de tempo masculino. Mais lazer, mais educação ou até mesmo um período mais generoso de sono diário. Vamos à Tabela 2, onde é possível fazer esta comparação entre homens e mulheres empregados e não-empregados em trabalho remunerado.

 

Tabela 2 – Tempo médio em minutos por atividade por sexo e emprego

Atividades diárias Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa
Trabalho 449,8 260,4 23,3 13,7
Serviço doméstico 15,5 172,1 60,8 297,7
Compras e afins 44,3 30,4 46,6 30,1
Cuidado de crianças 11,6 19,8 12,1 73,2
Cuidados pessoais 618,1 618,5 665,0 642,9
Viagens pessoais 51,1 73,0 107,3 83,6
Estudo / Participação 8,9 30,4 68,9 22,4
Comunicação de massa 112,5 110,5 173,4 133,3
Atividades de lazer 147,1 121,0 277,8 160,6
Total ponderado (87) (65) (24) (95)

 

Esta tabela permite agora uma comparação mais rigorosa. O novo padrão é o homem empregado. A mulher empregada ainda trabalha em média 3 horas diárias a menos que o seu equivalente masculino. Ambos dormem em média exatamente 10 horas e 18 minutos por dia e dispõem praticamente das mesmas 4 horas e pouco de tempo livre. A mulher empregada gasta 22 minutos a mais em transportes e igual parcela de tempo é por ela dedicada ao estudo e participação. Tudo o mais constante, permanece o fato de que 2 horas e meia do dia da mulher empregada são implacavelmente absorvidas em tarefas domésticas, ou seja, mais de 80% do tempo liberado pela jornada de trabalho.

Comparemos agora os orçamentos de tempo de homens empregados e homens fora da força de trabalho. Esta última categoria é predominantemente composta por homens mais idosos e aposentados. Entretanto, aí se encontra uma meia dúzia de jovens estudantes. Os 23 minutos dedicados ao trabalho provêm da execução de tarefas eventuais e de biscates, tal como no caso das donas de casa. Digamos então que o homem desempregado disponha de 7 horas diárias a mais que aquele que trabalha. Cabe agora a pergunta: se um homem não trabalha, qual é uso dado a estas horas extras? A resposta parece ser a de que ele usa mais tempo em todas as outras atividades de sua vida, exceto em tarefas domésticas. Ele dorme uma hora a mais do que os homens empregados; ele gasta mais tempo em transportes, e ele estuda mais tempo. Não satisfeito, ele consome uma hora a mais por dia lendo, vendo televisão e indo ao cinema e outras duas horas extra conversando, fazendo visitas ou simplesmente descansando. Mas ele dedica apenas 49 minutos a mais a tarefas domésticas que o homem empregado – e 1 hora e 42 minutos a menos que a mulher que trabalha fora.

A rotina diária da dona de casa é simples: 25% do seu tempo é gasto em tarefas domésticas e outros 40% dormindo ou se cuidando. Ainda que essa categoria também inclua jovens estudantes, o tempo médio gasto em estudos e participação é menor que o da mulher empregada. Assim, os 35% restantes, um total de cerca de 7 horas, são alocados para usos discricionários. Em suma: a dona de casa típica lava, cozinha e cuida das crianças; vê televisão; conversa com as vizinhas e dorme.

A divisão da semana em dias de trabalho e de descanso compulsório afeta claramente a estrutura dor orçamentos de tempo. Mas qual é o remanejamento do tempo quando controlamos por sexo e por emprego? Vamos à Tabela 3.

 

Tabela 3 – Tempo médio em minutos por atividade, por sexo, emprego e dia da semana

  Dias úteis Fim de semana
Atividades diárias Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa
Trabalho 533,7 285,2 29,8 —- 291,7 216,3 —- 70,4
Serviço doméstico 14,2 191,8 73,3 318,3 18,0 136,9 16,0 212,6
Compras e afins 37,9 35,7 58,5 36,3 56,5 20,9 4 4,1
Cuidado de crianças 3,9 18,1 15,4 82,1 26,1 22,8 —- 36,3
Cuidados pessoais 604,1 606,8 670,6 635,5 644,5 639,1 644,8 673,4
Viagens pessoais 41,2 66,8 113,0 81,7 70,0 84,0 86,9 91,1
Estudo / Participação 5,1 33,2 88,2 22,2 16,2 25,4 —- 23,2
Comunicação de massa 110,5 106,6 190,5 139,6 116,3 117,4 112,2 107,4
Atividades de lazer 97,8 93,6 204,5 136,4 240,0 169,6 540,1 209,1
Total ponderado (56) (41) (19) (77) (30) (23) (5) (18)

 

Analisemos em primeiro lugar os homens e mulheres empregados. Nos dias úteis da semana, a semelhança dos seus respectivos orçamentos de tempo é notável. Praticamente o mesmo montante de tempo para todas as atividades, exceto serviço doméstico, viagens pessoais e estudo e participação: 10 horas diárias de sono e cuidados pessoais; cerca de 1 hora e 45 minutos para a comunicação de massa, e 1 hora e meia para outras atividades de lazer. As 4 horas diárias de trabalho poupadas à mulher são novamente realocadas para tarefas domésticas, e é digno de nota o montante ínfimo de tempo que o homem dedica a crianças durante a semana: o contato mais prolongado entre pai e filhos limita-se ao sábado e domingo. A semelhança dos respectivos perfis de uso do tempo pode ser também observada no fim de semana: 10 horas e meia de sono e cuidados pessoais; 1 hora e meia em transportes urbanos; quase 2 horas de consumo de comunicação de massa, e pouca diferença no tempo dedicado a estudos e a participação. O diferencial de tempo de trabalho é agora sensivelmente menor, da ordem de 1 hora e 15 minutos: mas quer nos dias úteis, quer no fim de semana, o tempo poupado à mulher é automaticamente absorvido pelas tarefas domésticas. Entretanto, não há como deixar de reconhecer a importância da participação da mulher na força de trabalho como um dos determinantes de uma divisão mais igualitária dos encargos domésticos[9]. Basta comparar as 4 horas dedicadas por mulheres empregadas durante os dias úteis às 7 horas diárias da dona de casa.

A rotina semanal da dona de casa permanece inalterada: 10 horas e meia de cuidados pessoais; 7 horas e pouco de tarefas domésticas, e cerca de 4 horas e meia de lazer. E o restante é absorvido em transportes. Curiosamente, o fim de semana traz uma diversificação desta rotina: uma hora de trabalho extra e uma hora a mais de sono; 3 horas a menos cuidando da casa e, principalmente, o abandono da televisão em favor da vida social.

O comportamento do homem desempregado é quase cômico pelo caráter drástico das realocações de tempo entre os dias úteis e o fim de semana. De segunda a sexta-feira, ele dedica quase 2 horas e meia a tarefas domésticas, responsabilizando-se fundamentalmente pelas compras para o domicílio; no fim de semana, esta parcela de tempo cai para 20 minutos. Dorme e viaja mais tempo que o restante da população. Nos dias úteis, ele tem em mãos 6 horas e meia de tempo livre, três das quais são gastas vendo televisão. O sábado e o domingo altera por completo esta rotina: a televisão é quase que abandonada e eles saem às ruas, gastando uma notável média de 9 horas diárias em conversas, passeios e descanso! Sobra uma classe de atividades de difícil interpretação – o diferencial de tempo dedicado a estudos e participação entre dias úteis e fim de semana. A média semanal de 1 hora e 28 minutos cai para zero no sábado e domingo. O exame detalhado das atividades componentes desta classe mostra claramente o peso do tempo dedicado a estudos, tempo este imediatamente realocado mal termina a sexta-feira; mas temos aí também cerca de 15 minutos diários dedicados a rezar ou ir à igreja ou templo, uma religiosidade que desaparece no fim de semana exatamente quando ela aumenta para os demais grupos. Não fosse o número ínfimo de casos e caberia a suspeita de quele tenha transformado em viés de entrevista a provável argumentação familiar sobre o uso do seu tempo!

Os custos da vida urbana: serviços e transportes

O planejador urbano dificilmente poderá chamar a si a tarefa de equalização da divisão social do trabalho. Mas o estudo do uso do tempo identifica pelo menos três fatores, pertencentes à economia-espaço da cidade, passíveis de certa manipulação dos transportes urbanos, inclusive o desenho e a capacidade da rede viária. Os diferenciais de acessibilidade, especialmente entre a casa e o trabalho, adicionam o custo do tempo assim gasto ao custo monetário do transporte – na verdade são poucas as atividades produtivas que podem ser empreendidas dentro de um ônibus[10]. A inspeção mais atenta das tabelas apresentadas mostra que o carioca gasta, em média, 1 hora e 43 minutos diários viajando dentro da cidade, ou seja, cerca de 12 horas por semana. O segundo fator tem a ver com a organização e a localização dos serviços, inclusive comércio e educação. Existe uma óbvia superposição entre este fator e o fator transportes, mas há que se ter em conta que a acessibilidade não é o determinante único do tempo gasto nestas atividades. A duplicação do tempo gasto em filas para compras na União Soviética nos últimos 35 anos exemplifica a importância da eficiência no atendimento para os orçamentos de tempo da população urbana[11]. A manipulação destes dois primeiros fatores visa poupar tempo, na suposição de que ele seja alocado para atividades menos exasperantes que tomar uma condução ou esperar em filas. O terceiro fator, portanto, é a organização do lazer, dado ser crença irredutível das utopias urbanas que o tempo poupado pela maior eficiência da máquina urbanas será automaticamente alocado para a satisfação das idiossincrasias individuais. Na verdade, o tempo ganho à cidade raramente é alocado em atividades de lazer. A razão é simples: a elevação do nível de consumo exige a elevação do nível de renda e isto implica em que o tempo de trabalho também se eleve[12]. A comparação de estudos sobre orçamentos de tempo nos Estados Unidos e na União Soviética ao longo dos últimos 30 ou 35 anos confirma que a parcela de tempo discricionário se manteve inalterada, apesar da diminuição da jornada oficial de trabalho e das inovações tecnológicas. O que existe nas sociedades industriais não é tanto o “problema do lazer”, mas o “problema do consumo”, um fato que em nada altera a necessidade de diversificação e qualidade das opções que a cidade oferece para o uso do tempo discricionário de sua população.

Já sabemos qual a magnitude da parcela de tempo que o transporte urbano exige dos orçamentos de tempo da população. É conveniente analisar em maior detalhe os componentes desta parcela de tempo: a Tabela 4 contém das médias de tempo gasto e, cinto tipos de viagens intrametropolitanas, classificadas segundo seu objetivo. Aí também se encontram as médias de tempo gasto em compras de alimentos e de outros bens e serviços; a categoria “Outras compras” incluem compras de bens duráveis, serviços pessoais, médico-dentários e administrativos. Para cada viagem e para cada atividade de consumo de bens e serviços foi computado o tempo gasto esperando em filas.

A Tabela 4 não requer maiores explicações, a não ser que se queira afirmar o óbvio: no fim de semana, gasta-se menos tempo em todos os tipos de viagem, exceto as viagens para lazer. O que o bom senso não prevê é que nos dias úteis e no fim de semana a população gasta praticamente o mesmo tempo esperando condução, cerca de 7% do tempo total dedicado ao transporte urbano. Cabe ainda mencionar que as médias de tempo gasto em viagens para serviços por homens desempregados incluem as viagens para centros educacionais empreendidas pelos estudantes que se encontram neste grupo.

A metade inferior da tabela apresenta os resultados para as atividades de consumo de bens e serviços. Como existe o domingo, não deve causar a redução do tempo médio dedicado a compras no fim de semana. Mas é notável o tempo médio gasto em esperas para atendimento em serviços: 23% do tempo total dedicado ao consumo de bens e serviços nos dias úteis e 27% no fim da semana, proporções que não depõem muito a favor da eficiência da prestação de serviços na cidade. Entretanto, a avaliação da magnitude destes custos, impostos pela ineficiência dos transportes e dos serviços, terá que ser retomada mais adiante.

 

Tabela 4 – Tempo em média em minutos por tipos de viagem e por consumo de bens e serviços

  Dias úteis Fim de semana
Viagens para: Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa Total Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa Total
Trabalho 74,4 39,7 10,8 —- 31,3 37,2 22,7 —- 22,8 26,8
Compras 7,7 22,8 12,2 14,7 14,2 4,3 15,8 3,8 5,5 8,1
Serviços 12,3 22,0 57,5 25,6 24,1 7,3 4,4 36,7 4,9 7,9
Lazer 11,7 11,5 30,6 27,7 19,9 52,1 53,7 46,3 73,1 57,2
Acompanhando crianças 0,3 2,0 2,3 10,7 4,9 —- —- —- 5,3 1,3
Esperas de condução 9,2 8,3 10,3 2,8 6,6 0,2 10,1 —- 2,2 5,0
Médias 101,1 107,3
Compras de:
Alimentos 5,9 11,9 15,1 10,6 9,9 6,3 4,2 3,8 5,3 5,2
Outros bens e serviços 11,2 29,4 37,1 24,3 22,9 16,2 17,6 —- 2,3 12,2
Esperas para compras 0,1 —- —- 4,0 1,6 7,2 —- —- 1,2 3,0
Esperas para serviços 3,9 9,3 7,4 5,7 6,1 4,6 —- —- 0,3 1,8
Médias 40,5 22,2

Total ponderado: 271

 

Existe um “problema do lazer” na cidade?

Esta pergunta soa esdrúxula, face à reputação de “capital do turismo” de que desfruta o Rio de Janeiro – mas a observação impressionística nem sempre é o melhor instrumento para se conhecer a vida social. A Tabela 5 mostra a estrutura real do lazer do carioca.

Existem múltiplas variações nesta tabela. Observe de imediato que o tempo médio dedicado à comunicação da massa é reduzido no fim de semana em favor de atividades menos passivas de lazer. Mas analisemos melhor a metade superior desta tabela. As seguintes inferências podem ser feitas: os homens dedicam mais tempo à leitura do que as mulheres em qualquer dia da semana; o rádio é um meio de comunicação de massa preferido nos dias úteis e quase que abandonado no fim de semana, enquanto o contrário se dá com o cinema. Mas tudo isso é razoavelmente irrelevante frente ao que todos percebem de imediato nestes dados: o papel dominante da televisão no total de tempo dedicado à comunicação de massa. Nos dias úteis, a televisão absorve em média de 1 hora e 45 minutos diários – 81% do tempo total para a comunicação de massa e 42% de todo o montante de tempo livre diário. No fim de semana, uma média de 1 hora e 32 minutos e as proporções respectivas de 80% e 27%. Como observado em outros países, poucas atividades de lazer conseguem manter a sua quota de tempo frente à televisão.

Analisemos agora a metade inferior da tabela. Nos dias úteis, três atividades absorvem 84% do tempo discricionário: conversar com amigos e familiares, descansar (sem dormir e sem empreender qualquer outra atividade, isto é, ficar a rigor sem fazer nada) e visitar ou receber visitas de amigos ou familiares. No fim de semana, estas três atividades ainda absorvem 78% do tempo livre.

 

Tabela 5 – Tempo médio em minutos gastos em comunicação de massa e atividades de lazer

  Dias úteis Fim de semana
Comunicação de massa: Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa Total Homem empregado Mulher empregada Homem desempregado Dona de casa Total
Televisão 80,8 84,1 126,7 129,0 105,1 87,4 114,5 64,8 77,4 91,6
Jornais 12,4 3,2 30,0 1,3 7,8 10,3 —- 41,6 4,1 7,9
Rádio 6,8 8,3 9,8 3,7 6,2 7,5 1,8 —- —- 3,5
Revistas 2,9 6,5 3,2 4,6 4,4 1,1 1,1 5,8 9,2 3,3
Livros 7,3 —- 13,6 0,8 3,8 —- —- —- 0,8 0,2
Cinema —- 4,3 7,1 —- 1,6 9,9 —- —- 15,7 7,6
Médias 129,0 114,1
Atividades de lazer:
Conversar 46,4 43,0 91,4 46,6 50,2 77,8 90,0 199,4 89,1 92,8
Descansar 14,3 15,9 72,1 42,1 31,4 79,2 31,9 85,3 26,2 52,7
Vida social doméstica 20,4 23,2 15,7 21,8 21,1 49,7 15,8 17,4 32,9 33,2
Ouvir discos etc. 0,5 3,2 6,2 11,2 5,9 5,1 7,1 14,3 23,2 10,7
Passeios ao ar livre 1,6 1,7 7,9 9,5 5,4 5,5 5,3 60,6 5,3 9,3
Vida social externa 8,0 4,7 —- 2,3 4,2 15,9 7,1 —- 32,1 16,1
Praticar esportes 3,1 1,0 11,0 0,1 2,3 6,4 —- —- —- 2,5
Ir à praia 3,2 —- —- 2,7 2,0 —- 12,1 118,5 —- 11,9
Médias 122,5 229,2

Total ponderado: 271

 

Isto equivale a dizer que a maior parte do tempo livre do carioca é empregada em atividades de natureza passiva e realizadas dentro do lar. Nos dias úteis, 93% do seu lazer se resume a ver televisão, conversar com amigos e familiares e descansar, proporção esta que se reduz para 79% no fim de semana. Apenas cerca de 20% de seu tempo livre é dedicado a sair com amigos, ir à praia, praticar esportes, fazer excursões, passear pelas ruas olhando vitrines, ouvir discos, colecionar coisas, atividades artísticas, hobbies, ir ao teatro, assistir concertos, visitar museus ou assistir competições esportivas.

“Se o automóvel revolucionou a dimensão espacial de vida”, lembra John Robinson, “foi a televisão que transformou a sua dimensão temporal”[13]. Introduzida no Brasil nos anos 50, a televisão se transformou rapidamente em um dos principais, senão o dominante meio de comunicação de massa. A comparação destes resultados com os de pesquisa realizada no Rio de Janeiro há oito anos atrás mostra claramente o remanejamento da audiência em favor da televisão[14]. A Tabela 6 apresenta evidências a respeito.

 

Tabela 6 – Exposição à comunicação de massa na Guanabara, 1966 – 1973

  Rádio Cinema Televisão
Grau de exposição 1966 1973 1966 1973 1966 1973
Alto 49% 45% 6% 17% 50% 57%
Médio 45% 39% 56% 27% 27% 26%
Baixo 6% 16% 38% 56% 23% 7%
Totais (584) (255) (584) (255) (584) (255)

 

Estes resultados se tornam mais claros se analisamos as mudanças no grupo que menos se expõe à comunicação de massa. Vemos então que este grupo passou de 6 para 16% no caso do rádio, de 38 para 56% no caso do cinema – mas diminuiu de 23 para 7% no caso da televisão.

Não há porque supor que estas preferências pelo lazer sedentário e doméstico não se transformem quando confrontadas com novas condições e novas oportunidades para um melhor uso do tempo discricionário. A análise da estrutura do lazer carioca sugere, no mínimo, que estas novas oportunidades ainda estão por ser criadas.

 

A qualidade de vida na Guanabara

Em que ponto de uma escala de qualidade de vida se coloca a cidade do Rio de Janeiro? Avaliados isoladamente, os dados desta pesquisa podem resultar em conclusões ditadas pelas preferências subjetivas de cada leitor. Muitos podem concordar com o argumento de que ver televisão, conversar com familiares e descansar talvez não seja o melhor uso que se possa fazer do tempo discricionário, se se entende por lazer um conjunto de atividades que se empreenda em benefício do desenvolvimento pleno do talento e da personalidade humana. Mas como determinar, por exemplo, a parcela exata a ser gasta com transportes urbanos?

A comparação do uso do tempo que se faz no Brasil e em doze outros países não é a melhor respostas a esta indagação, mas certamente contribui para uma avaliação mais sóbria dos resultados da pesquisa. A Tabela 7 foi montada com dados coletados pelo Projeto Internacional de Orçamentos de Tempo, realizado em 1966 sob a direção de Alexander Szalai[15].

 

Tabela 7- Tempo médio em minutos gasto em nove categorias de atividades diárias no Brasil (1973)    e em doze outros países (1966)[16]

Atividades diárias Alemanha Ocidental Alemanha Oriental Bélgica Brasil Bulgária Checoslováquia Estados Unidos França Hungria Iugoslávia Peru Polônia U.R.S.S
Trabalho 234 310 287 215 404 337 266 276 374 311 251 334 371
Serviço doméstico 167 206 145 155 100 172 142 162 164 188 172 160 131
Compras e afins 42 32 29 36 45 41 45 162 164 188 172 160 131
Cuidado de crianças 25 45 17 35 17 31 32 40 30 29 23 34 35
Cuidados pessoais 685 600 649 631 617 604 620 661 599 592 643 595 583
Viagens pessoais 25 25 30 73 42 27 50 31 29 36 53 38 55
Estudo / Participação 22 23 25 24 18 25 28 19 20 24 42 31 46
Comunicação de massa 112 108 131 125 79 116 134 91 85 80 87 120 113
Atividades de lazer 148 91 128 153 116 87 123 121 81 99 152 95 67
Total Tempo Livre 300 233 297 302 231 240 304 246 200 221 309 263 247
Total Viagens 57 60 56 103 89 62 78 58 75 78 90 78 88
Total em minutos 1440 1440 1441 1446 1438 1440 1440 1440 1440 1440 1440 1440 1440

 

Talvez a melhor maneira de analisar esta tabela seja comparar as médias de uso do tempo entre o Brasil e o conjunto dos doze países. Comecemos por eliminar as categorias de atividades cujas diferenças de médias são ínfimas: serviço doméstico, compras e afins, cuidado de crianças, estudo e participação e até mesmo cuidados pessoais, apesar de dormirmos 12 minutos a mais em média do que as demais populações analisadas. Sobram quatro categorias, uma das quais está sublinhada na tabela: o tempo gasto em viagens. A eficiência dos transportes urbanos na Guanabara pode ser desde já avaliada – gastamos em médica 36 minutos diários a mais do que as populações das áreas metropolitanas dos demais países.

Resta ressaltar que trabalhamos em média 1 hora e meia a menos e dispomos de mais de uma hora extra de lazer. Viajamos mais, trabalhamos menos e dispomos de mais tempo discricionário – é lícito portanto concluir que ocupamos uma posição privilegiada na escala? A resposta pode ser negativa, mas para que seja uma resposta compreensível é necessário concordarmos em umas tantas definições. Até aqui, falamos do tempo como tendo um valor intrínseco, passível de poupança ou alocação, mas o tempo não envolve necessariamente uma dimensão de escassez que lhe dê tal valor intrínseco. “O tempo é um recurso escasso”, diz Heirich, “somente se alguém percebe usos alternativos para ele”[17]. Esta é a razão da irrelevância do tempo nas sociedades mais pobres e mais atrasadas, cuja produtividade é tão baixa que incrementos no uso de parcelas do tempo não resultam em nada. Nestas sociedades, é obviamente racional deixar para amanhã o que se pode fazer hoje.

A formulação mais geral deste argumento reza que a escassez relativa de um bem é determinada pela relação a sua oferta e demanda. O tempo pode ser alocado em trabalho, com vistas a gerar um fluxo de renda que permita o consumo de diferentes bens. Mas o tempo também é usado no consumo destes bens: como acentua Linder, o prazer de saborear um cafezinho ou de assistir um bom teatro só existe se dedicarmos tempo a desfrutá-lo[18]. Podemos, pois, conceber que cada bem consumido tenha um “preço total” que seja o somatório de seu “preço monetário” e de seu “preço de tempo”. Este “preço de tempo” é o produto do tempo requerido para consumir uma unidade do bem em questão vezes a renda do consumidor[19]. Com o desenvolvimento econômico e a consequente elevação da produtividade média, aumenta o retorno do tempo gasto em trabalho – mas também aumenta o montante de bens de consumo e de serviços a serem desfrutados por unidade de tempo. O resultado final, no que diz respeito tanto ao trabalho quanto ao consumo, é a crescente escassez de tempo. Agora o trabalho requer mais tempo para gerar mais renda, necessária para consumir um maior número de bens em menor período de tempo – o lazer se torna uma atividade héctica e não mais o “tempo para cem indecisões, para cem visões e revisões antes de tomar o chá com torradas”, de que falava T. S. Elliot. Pois, se demorarmos a saborear o chá, ganharemos dinheiro suficiente para compra-lo? E depois por que tomar chá se podemos ir ao cinema?

O problema é que o desenvolvimento econômico não gera automaticamente uma distribuição mais igualitária da renda. A se crer em dados recentes, o resultado pode ser uma maior desigualdade na distribuição de renda, como exemplificado pela região metropolitana do Grande Rio. O subemprego e os baixos níveis de remuneração de grande parte de seus habitantes determinam, dentro de uma mesma área, diferentes perfis de demanda pelo tempo diário de que todos dispõem. O tempo é escasso para os que têm renda mais elevada, e os que não a têm são obrigados a suportar sua indolência. Por definição, a indolência é o tempo gasto sem quaisquer outros bens de consumo[20]. É verdade que estas pessoas poderiam aumentar o tempo dedicado ao trabalho e assim gerar o fluxo de renda requerido para transformação da indolência em lazer. Mas este argumento soa quase malicioso, em se tratando de parcelas da população com baixa ou nenhuma educação, sem maiores qualificações profissionais e, em geral, empregadas na prestação de serviços de baixíssima produtividade e de demanda razoavelmente inelástica. Para eles, trabalhar mais pode ser uma forma de preencher o tempo (rigorosamente) livre de que dispõem, desde que não o façam com a expectativa de ganhos substanciais.

Infelizmente, tudo isto é confirmado pelos dados da última tabela a ser discutida neste trabalho. A Tabela 8 apresenta as médias de tempo gasto diariamente em nove categorias de atividades, por dia da semana e por ocupação do entrevistado, incluindo, pois, apenas os que trabalham. A categoria “Profissionais” inclui o grupo de renda e de educação mais alta, e é composta por profissionais liberais, diretores ou proprietários de grandes empresas etc. No outro extremo, temos os “Manuais Não-Especializados”, a categoria de menor renda e onde se encontra a maior proporção de analfabetos: aqui predominam as empregadas domésticas, as lavadeiras e os faxineiros.

Analisemos primeiro a categoria trabalho. Nos dias úteis, os profissionais trabalham, em média, mais tempo que os demais grupos, gerando um fluxo de renda que lhes permite trabalhar menos no fim de semana. Este mesmo fluxo de renda também lhes possibilita transferir para terceiros os encargos do serviço doméstico e do cuidado de crianças, gastar menos tempo em compra de bens e serviços, provavelmente por melhor localização de suas residências; dedicar boa parte do tempo dentre todos os grupos para estudos, com vistas a aumentar o seu fluxo de renda. Os outros não-manuais cumprem o expediente normal da semana inglesa e tentam, no tempo que lhes é facultado pelos encargos domésticos que o seu nível de renda torna difíceis de transferir, o caminho para maiores ganhos no futuro via educação. Os trabalhadores manuais especializados fazem do fim de se semana dois outros dias úteis para o trabalho, beneficiando-se de sua posição de minoria privilegiada em um mercado ávido da produção, manutenção e reparação de bens de consumo. O peso dos encargos domésticos continua a aumentar em proporção inversa à renda gerada e só a modesta média de 8 minutos diários pode ser gasta em educação. Os manuais não-especializados, finalmente, reconhecem que o aumento do seu tempo de trabalho só contribuiria para tornar mais penosas e não menos pobres suas vinte e quatro horas do dia. O tempo por eles gasto em trabalho, em claro contraste com as proporções de 87% para os manuais especializados e 69% para os outros trabalhadores não-manuais. Este é o grupo que mais tempo dispende em encargos domésticos: uma média de cerca de 4 horas e meia diárias contra, por exemplo, a média de pouco mais de uma hora para o grupo de profissionais. A composição do grupo de trabalhadores manuais não-especializados contribui muito para este resultado: 61% de mulheres, contra, por exemplo, 32% no grupo de profissionais. Equivale dizer que, neste grupo as desigualdades de renda e da divisão familiar do trabalho se combinam para produzir o mais árido dos orçamentos de tempo. Mas a carga de tarefas domésticas, neste grupo predominantemente feminino, não é a razão principal de sua resistência ao aumento da carga de trabalho. Basta compararmos o total de tempo discricionário (inclusive o tempo dedicado a estudos e religião) de que dispõem os manuais não-especializados e os profissionais: nos dias úteis, a vantagem de uma hora e meia a mais cabe ao grupo de mais alta renda. No fim de semana, entretanto, a vantagem de cerca de uma hora pende para os manuais não-especializados.

Qual o uso que estes grupos fazem de seu tempo discricionário? O consumo de comunicação de massa tem uma distribuição exatamente inversa entre os quatro grupos ocupacionais durante os dias úteis e durante o fim de semana: de segunda a sexta-feira, os profissionais detêm a maior média de tempo gasto nestas atividades, média esta que passa às mãos dos manuais não-especializados no sábado e domingo. E o mesmo é verdade para as demais atividades de lazer, embora as diferenças não sejam tão acentuadas. As variações nas médias de tempo gasto vendo televisão entre os grupos são extremamente interessantes: o tempo gasto nesta atividade pelos profissionais representa cerca de 90% do tempo total dedicado à comunicação de massa, proporção esta que se reduz para 63% entre os manuais não-especializados, trazendo  à mente o argumento de Linder de que o aumento da renda e a consequente realocação do tempo resultam na redução da demanda por atividades de lazer que requeiram mais tempo de consumo, tal como ir ao cinema[21].

Aumentando a renda, aumenta o volume de bens e, portanto, a demanda de tempo para o seu consumo. Dado que a oferta de tempo é fixa e que o aumento da renda também demanda mais tempo de trabalho, Lider conclui que a melhor maneira de maximizar a satisfação gerada pelo tempo usado em consumo é aumentando o número de bens consumidos por unidade de tempo alocado. A Tabela 8 mostra que “conversar” e “descansar”, as duas atividades discricionárias que não requerem o consumo de bens para o seu desfrute, representam 84% do tempo médio diário dedicado ao lazer pelos trabalhadores manuais não-especializados; 73% do tempo gasto pelos manuais especializados; 69% do tempo gasto pelos outros trabalhadores não-manuais, e apenas 29% do total de tempo alocado pelos profissionais para as atividades de lazer. Podemos até concordar em que conversar e descansar são atividades mais importantes para o ser humano do que tentar gastar o tempo livre correndo de uma regata para a fotografia e daí para a aula de ginástica com vistas a uma entrada triunfal na boate.  Mas teremos igualmente de concordar em que o convívio dos familiares e a contemplação são atividades de máxima importância quando resultam de uma escolha de não de uma imposição.

 

Tabela 8 – Tempo médio em minutos por atividade para trabalhadores por ocupação e dia da semana

  Dias úteis Fim de semana
Atividades diárias Profissionais Outros não-manuais Manuais espec. Manuais não-espec. Profissionais Outros não-manuais Manuais espec. Manuais não-espec.
Trabalho 480,6 475,9 464,2 331,9 313,5 330,1 403,6 159,3
Serviço doméstico 4,5 32,7 90,1 200,3 42,1 31,2 49,0 154,3
Compras e afins 17,1 41,7 49,2 31,8 58,6 69,8 4,2 40,1
Cuidado de crianças 1,8 41,7 49,2 31,8 58,6 69,8 4,2 40,1
Cuidados pessoais 609,2 611,2 598,0 601,3 704,3 667,9 580,0 617,8
Estudo / Participação 42,4 19,3 8,2 8,1 49,5 26,0 —- 11,2
Comunicação de massa 127,3 119,1 91,6 91,6 90,5 108,7 137,1 128,5
Televisão 102,7 92,6 81,7 42,8 85,8 93,9 122,7 101,2
Atividades de lazer 116,9 98,6 80,7 94,5 193,8 148,8 256,9 251,2
Conversar 19,7 60,4 38,2 49,3 59,9 70,9 116,7 96,3
Descansar 1,1 15,2 22,6 15,9 17,9 20,2 65,9 154,3
Proporção 18% 77% 75% 69% 40% 61% 71% 100%

Total ponderado: 147

 

A resposta à questão sobre a qualidade de vida metropolitana se torna, por isso mesmo, problemática. Viajamos mais, trabalhamos menos e dispomos de mais tempo discricionário na Guanabara. Nem todos nós. A desigualdade na distribuição da renda sugere que uma parcela razoável da população é forçada à indolência e, ainda assim, gasta mais tempo em viagens porque a sua localização residencial e a oferta de transporte urbano não lhe deixam alternativas. Se fazemos fé na proposta inicial de que a vida melhor pertence à cidade que possibilite à sua população maior acesso ao maior número de modos alternativos de vida, seremos levados a concluir que a qualidade de nossa vida urbana é deveras pobre.

 

Apêndice I

A seleção da amostra

Esta pesquisa se baseia na entrevista de uma amostra probabilística, de base geográfica e selecionada em estágios múltiplos, da população de 18 a 69 anos de idade residente na área urbana do estado da Guanabara, na proporção de 1/10.000 habitantes. As rotinas de seleção tiveram como ponto de partida uma amostra probabilística de Setores do Censo Demográfico de 1970, selecionados em cada uma das Regiões Administrativas da Guanabara, exceto Paquetá. O segundo passo consistiu na seleção probabilística de quarteirões dentro de cada setor e, em seguida, de domicílios dentro de cada quarteirão, segundo uma fração amostral determinada. Finalmente, utilizou-se uma rotina que garantisse igual probabilidade de seleção a cada um dos membros elegíveis do domicílio selecionado[22].

Um domicílio, ou uma unidade domiciliar, foi definido como uma construção habitada em caráter permanente por uma ou mais pessoas ou que, ainda que temporariamente vazia, se prestasse fundamentalmente à ocupação residencial. Exemplificam um domicílio uma casa, um apartamento, um quarto de pensão ou um quarto habitado pelo vigia de uma escola. Um domicílio, assim definido, foi considerado elegível caso (1) ali residisse uma ou mais pessoas em caráter permanente; (2) pelos menos uma das quais tivesse 18 anos de idade ou mais; e (3) pelo menos uma das quais trabalhasse. Em tal domicílio, a pessoa selecionada seria elegível para a entrevista caso tivesse entre 18 e 65 anos de idade, salvo “outras razões”, tais como invalidez permanente. Em nenhuma hipótese foi permitida a substituição de domicílios ou de pessoas, limitando-se a quatro o número de tentativas de entrevista por domicílio.

Foram completadas 255 entrevistas ou 76,2% do total das 332 entrevistas previstas, não se registrando qualquer viés significativo dentre as 77 “não-respostas”. Cabe ressaltar, conforme o Quadro A, a modesta proporção de 8% de recusas frontais à entrevista.

 

Quadro A – Descrição do campo

1. Amostra entrevistada 2. Razões da não-resposta
Na 1ª tentativa:                       50,2% (128) Recusa no contato inicial:       15,6% (12)
Na 2ª tentativa:                         31,0% (79) Recusa pessoa selecionada:   19,5% (15
Na 3ª tentativa:                         17,6% (45) Pessoa selecionada ausente: 19,5% (15)
Na 4ª tentativa:                            1,3% (3) Nenhuma pessoa elegível:      15,6% (12)
Ninguém em casa:                  14, 3% (11)
Domicílio vazio:                         10,4% (8)
Outras razões:                             5,1% (4)
Total:                                    100,0% (255) Total:                                     100,0% (77)

 

A comparação entre a amostra e o universo, conforme definido pelo Censo demográfico de 1970, resultou bastante satisfatória. O Quadro B apresenta os resultados para as distribuições de sexo e de idade. As discrepâncias observadas não invalidam a amostra selecionada. Cabe observar não ter sido possível excluir a população rural do estado das distribuições descritivas do universo.

 

Quadro B – Comparações entre amostra e universo

Sexo Guanabara Amostra
Masculino 47,3% 41,2%
Feminino 52,6% 58,8%
Idade
18-19 anos 6,8% 4,7%
20-24 anos 16,1% 14,9%
25-29 anos 13,3% 12,5%
30-34 anos 12,6% 10,9%
35-39 anos 12,1% 12,5%
40-44 anos 11,3% 10,2%
45-49 anos 8,9% 10,6%
50-54 anos 7,2% 7,8%
55-59 anos 5,8% 6,3%
60-64 anos 4,6% 6,7%
65 anos 0,8% 2,7%
Total 2.508,365 255

 

Dada a evidente variação na ocorrência e duração das atividades, sobretudo as atividades de lazer, ao longo das diferentes estações do ano, as entrevistas foram realizadas em meses tidos como de “transição” – de abril a junho de 1973. O total de entrevistas foi, tanto quanto possível, distribuído homogeneamente pelos 7 dias da semana. Para se garantir igual representação, para cada um dos dias, o total de entrevistas realizadas foi ponderado em função daquele dia da semana que apresentou o maior número de casos. O Quadro C apresenta os montantes absoluto e relativo de entrevistas realizadas e a ponderação utilizada por cada dia da semana.

 

Quadro C – Distribuição das entrevistas

Dias da semana
Totais Sáb Dom Total
Bruto 37 35 37 35 34 38 39 255
Proporção 14,5% 13,7% 14,5% 13,7% 13,3% 14,9% 15,3% 100%
Pesos 1,05 1,11 1,05 1,11 1,15 1,03 1,00 —-
Ponderado 38,7 38,7 38,7 38,7 38,7 38,7 38,7 271

 

Apêndice II

A codificação das atividades-tempo

A entrevista sobre o uso das 24 horas do dia foi realizada através do Diário de Tempo. O quadro temporal foi o dia imediatamente anterior ao dia da entrevista, o dia base, e o Diário foi desenhado de forma a permitir o registro ininterrupto de todas as atividades empreendidas entre as 00:01 e as 24:00 do dia base. A razão deste procedimento, ao invés do preenchimento do Diário pelo próprio entrevistado, é o número de analfabetos incluído na amostra. Além disso, o pré-teste do instrumento não detectou discrepâncias entre Diários resultantes de entrevistas e do registro das atividades pelo próprio entrevistado. Os dados assim coletados foram classificados em 72 categorias de atividades diárias. Cada categoria define um campo composto pela (1) duração da atividade em minutos; (2) a hora de seu início; (3) qualquer outra atividade executada simultaneamente; (4) o local; e (5) as pessoas em cuja eventual companhia foi realizada a atividade em questão.

Este modelo de codificação é algo mais limitados do que aquele utilizado pelo Projeto Multinacional de Pesquisa de Orçamentos de Tempo, o qual registra 96 categorias diferentes de atividades diária[23]. Não obstante as categorias utilizadas neste e naquele projeto são rigorosamente comparáveis entre si.

As 72 categorias de atividades diárias foram inicialmente agregadas em novas e mais abrangentes categorias. Todas as agregações aqui apresentadas foram realizadas no computador, utilizando-se as facilidades do Sistema OSIRIS II, desenvolvido pela Universidade de Michigan; isto significa que os dados das 72 categorias originais e de todas as agregações daí derivadas encontram-se gravados em fita. As 38 novas categorias e os seus componentes são os seguintes:

1. TRABALHO PRINCIPAL
1. Trabalho regular remunerado, no expediente
2. TRABALHO EXTRA
2. Trabalho extraordinário ou eventual e trabalho na ocupação secundária
3. Reuniões no local de trabalho
3. PAUSAS NO TRABALHO
4. Pausas e interrupções durante a jornada de trabalho até o máximo de 15 minutos (cafezinhos etc.)
4. VIAGEM PARA O TRABALHO
5. Viagem de ida e volta para o trabalho
5. COZINHAR
6. Preparação e cozimento de alimentos, inclusive fazer café e afins
6. LIMPEZA DA CASA
7. Lavagem e arrumação da louça
8. Arrumação da casa: varrer etc.
9. Limpeza do exterior da casa, remoção do lixo etc.
7. CUIDAR DA ROUPA
10. Lavar, passar e arrumar roupas
11. Confecção de roupas para a família: costuras, tricô etc.
12. Consertos de roupas para a família
8. COMPRAS DE ALIMENTOS
13. Compras de alimentos para o domicílio
9. JARDINAGEM
14. Jardinagem e cuidados de plantas e animais
10. OUTRAS COMPRAS
15. Compras de bens duráveis e afins
16. Serviços pessoais: barbeiro etc.
17. Serviços médico-dentários
18. Serviços administrativos: bancos etc.
19. Esperas e filas para compras
20. Esperas para atendimento em serviços
11. CONSERTOS EM CASA
21. Consertos diversos no domicílio: móveis, aparelhos elétricos etc.
12. SUPERVISÃO DE TRABALHO DOMÉSTICO
22. Supervisão de trabalho doméstico, orientação de empregadas etc.
23. Ajudar familiares no trabalho doméstico
13. CUIDAR DE CRIANÇAS
24. Cuidados com recém-nascidos: amamentar, trocar fraldas etc.
25. Cuidados com crianças: alimentar, trocar de roupa, dar banho, etc., exceto supervisão e acompanhar crianças em transportes
14. SUPERVISÃO DE CRIANÇAS
26. Supervisionar deveres escolares
27. Conversar e brincar com crianças no lar: ler estórias, jogos etc.
28. Passear com crianças e brincar ao ar livre, trabalhos manuais etc.
15. CUIDADOS PESSOAIS
29. Higiene pessoal: escovar os dentes, pentear-se, etc. exceto banho
30. Banho
31. Vestir-se e trocar de roupa
16. REFEIÇÕES
32. Refeições em casa
33. Refeições em restaurante
17. SONO
34. Sono
18. VIAGENS PESSOAIS
35. Viagens para compras
36. Viagens para serviços, inclusive educação
37. Viagens acompanhando crianças
38. Esperas de condução
19. VIAGENS PARA LAZER
39. Viagens para lazer, inclusive visitas
20. ESTUDOS
40. Frequência a cursos regulares
41. Frequência a cursos de extensão ou de aperfeiçoamento
42. Frequência a conferências, palestras etc.
43. Estudar em casa ou em biblioteca
21. RELIGIÃO
44. Ir à igreja ou templo, rezar etc.
22. ORGANIZAÇÕES
45. Participação em reuniões de sindicatos, associações etc.
23. RÁDIO
46. Ouvir rádio
24. TELEVISÃO
47. Assistir televisão
25. JORNAL
48. Ler jornais
26. REVISTAS
49. Ler revistas ou periódicos
27. LIVROS
50. Ler livros, exceto quando estudando
28. CINEMA
51. Ir ao cinema
29. VIDA SOCIAL DOMÉSTICA
52. Visitar ou receber visitas de amigos e familiares, sempre em domicílios
53. Jogar cartas e similares, sempre em domicílios
30. VIDA SOCIAL EXTRA-DOMÉSTICA
54. Frequência a clubes sociais, cocktails e recepções
55. Ir a bar com amigos
56. Dançar em clubes ou boates, ver shows etc.
57. Namorar
31. PRAIA
58. Ir à praia
32. CONVERSAR
59. Conversar com familiares ou amigos
60. Conversar com terceiros, exceto em relações de trabalho
33. ESPORTES
61. Jogar futebol, basquete etc.
62. Fazer ginástica em casa
34. AR LIVRE
63. Sair em excursões, picnics etc.
64. Passear a pé, olhar vitrines etc.
35. DIVERSÕES
65. Assistir a competições esportivas e similares
36. EVENTOS CULTURAIS
66. Ir ao teatro, concertos, museus etc.
37. DESCANSAR
67. Descansar; sem dormir
68. Ficar à janela em atividades similares
38. OUTRO LAZER
69. Ouvir dicas e fitas
70. Atividades artísticas: escrever, pintar, esculpir, tocar instrumentos ou compor música etc.
71. Colecionar coisas ou passatempos similares

Estas 38 categorias foram novamente agregadas em 9 novas categorias de atividades diárias, como segue:

1. TRABALHO
1. Trabalho principal
2. Trabalho extra
3. Pausas no trabalho
4. Viagem para o trabalho
2. SERVIÇO DOMÉSTICO
5. Cozinhar
6. Limpeza da casa
7. Cuidar da roupa
8. Compras de alimentos
3. COMPRAS E AFINS
9. Jardinagem
10. Outras compras
11. Consertos em casa
12. Supervisão do trabalho doméstico
4. CUIDADO DE CRIANÇAS
13. Cuidar de crianças
14. Supervisão de crianças
5. CUIDADOS PESSOAIS
15. Cuidados pessoais
16. Refeições
17. Sono
6. VIAGENS PESSOAIS
18. Viagens pessoas
19. Viagens para lazer
7. ESTUDO E PARTICIPAÇÃO
20. Estudos
21. Religião
22. Organizações
8. COMUNICAÇÃO DE MASSA
23. Rádio
24. Televisão
25. Jornal
26. Revistas
27. Livros
28. Cinema
9. ATIVIDADES DE LAZER
29. Vida social doméstica
30. Vida social extra doméstica
31. Praia
32. Conversar
33. Esportes
34. Ar livre
35. Diversões
36. Eventos culturais
37. Descansar
38. Outro lazer

Finalmente, estas 9 categorias foram reunidas em 4 grandes grupos de atividades diárias: o tempo total gasto em trabalho, tarefas domésticas, necessidades pessoais e o total de tempo livre, discricionário. Para determinados propósitos, criou-se também uma quinta categoria denominada “tempo total em viagens”, agrupando todas as parcelas de tempo gastas em transportes, inclusive viagem para o trabalho.
As 9 categorias foram agrupadas como segue:

1. TOTAL EM TRABALHO
1. Trabalho
2. TOTAL EM TAREFAS DOMÉSTICAS
2. Serviço doméstico
3. Compras e afins
4. Cuidado de crianças
3. TOTAL EM NECESSIDADES PESSOAIS
5. Cuidados pessoais
6. Viagens pessoais
4. TOTAL DE TEMPO LIVRE
7. Estudo e participação
8. Comunicação de massa
9. Atividades de lazer

 

Apêndice III

Tabela de conversão de horas em minutos

Horas Minutos
1 60
2 120
3 180
4 240
5 300
6 360
7 420
8 480
9 540
10 600
11 660
12 720
13 780
14 840
15 900
16 960
17 1020
18 1080
19 1140
20 1200
21 1260
22 1320
23 1380
24 1440

 

Notas

[1] Outras pessoas e instituições fazem jus a igual parcela de reconhecimento pelos seus esforços e pelo seu apoio. Vera Wrobel tomou a seu cargo a assistência e administração da pesquisa, e o sucesso deste empreendimento seria inconcebível sem a sua participação. A sua expediência e cordialidade transformaram este estudo em uma genuína atividade de lazer – um trabalho cujo objetivo intrínseco foi a nossa própria diversão e amadurecimento intelectual. Marcus Figueiredo e Maria Izabel de Carvalho deram uma contribuição crucial na seleção da amostra de setores censitários; Marcus ainda se responsabilizou pela gravação dos dados em fita. Sou grato a ambos pelo apoio e pelo convívio ao longo de quatro anos de trabalho em diferentes projetos. O Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro proporcionou a base institucional para a realização desta pesquisa, cujo financiamento proveio de uma dotação do Consórcio de Estudos Urbanos da Fundação Ford. A citação que abre o primeiro parágrafo vem do Eclesiastes, 3, I.

[2] Alexander Szalai, “Differential Evaluation of time budgets for comparative proposes”, in Richard L. Merritt e Stein Rokkan (orgs.) Comparing nations: the use of quantitative data in cross-national research, New Haven: Yale University Press, 1966, p. 239.

[3] Uma discussão mais detalhada destas ideias pode ser encontrada em meu artigo “O uso do tempo como medida da qualidade de vida urbana”, Revista de Administração Pública, 6 (1), 1972, pp. 51-75.

[4] Alexander Szalai, The twenty-four hours of the day, Budapeste: Escritório Central Húngaro de Estatística, 1965.

[5] Esta questão é discutida no trabalho escrito por mim e Izabel Valladão, A separação casa-trabalho: fatores e consequências, documento de trabalho publicado em 1970 pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

[6] Esta proposta de colaboração interdisciplinar foi inicialmente formulada por Richard L. Meier, “Human time allocation: a basis for social accounts”, Journal of the American Institute of Planners, 15 (1), 1959, pp. 27-33. Ver também a este respeito Gerald A. Gutenschwager, “The time-budget activity: sistems perspective in urban research and planning”, Journal of the American Institute of Planners, 39 (6), 1973, pp. 378-387; Thomas L. Burton, Experiments in recreation research, New Jersey: Rowman and Littlefield, 1971; e F. Stuart Chapin Jr., Urban land use and planning, Urbana: University of Illinois Press, 1965.

[7] Karl W. Deutsch, “On social communication and the metropolis”, in Lloyd Rodwin (org.), The future metropolis, Londres: Constable and Co., 1960.

[8] A Guanabara foi um estado da Federação brasileira entre 1960 e 1975. Foi criado em decorrência da mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960. Assim, o estado da Guanabara incorporou o território do antigo distrito federal, hoje correspondente à cidade do Rio de Janeiro. Em 1975, o estado da Guanabara e o estado do Rio de Janeiro se fundiram e a cidade do Rio de Janeiro tornou-se a capital estadual. (Fonte: RIO DE JANEIRO. Instituto Estadual Do Patrimônio Cultural. Disponível em: http://www.inepac.rj.gov.br/application/assets/img/site/Historico_Estado.pdf) (NT)

[9] Este argumento é desenvolvido por Michael Young e Peter Willmott em The symmetrical Family, New York: Pantheon Books, 1973. Estes autores propõem que a crescente disponibilidade de inovações tecnológicas transformam o lar no centro da vida social do homem, ao mesmo tempo em que a redução do tamanho médio da família e a difusão de valores igualitários induzem a maior participação da mulher na força de trabalho. O resultado destas mudanças – trazendo o homem para dentro da família e levando a mulher para fora – seria a crescente simetria entre os papéis de marido e mulher e uma divisão mais equânime das responsabilidades domésticas.

[10] Ver o trabalho de Robert H. Nelson, “Accessibility and rent: applying Becker’s “Time Price” concept to the Theory of residential location”, Urban Studies, 10, 1973, pp. 83-86. Sebastian de Grazia inclusive sugere que a diminuição da jornada de semanal de trabalho no futuro poderá ser muito mais devida à demanda por tempo adicional para as viagens entre a casa e o local de trabalho do que à demanda por mais tempo de lazer. Cf. “The problems and promises of leisure”, in William R.Ewald Jr. (org.) Environment and policy: the next fifty years, Bloomington: Indiana University Press, 1968, p. 115.

[11] Estes resultados foram transcritos em meu artigo, “O uso do tempo…”, op. cit., p. 68.

[12] A formulação teórica deste argumento encontra-se em Staffan B. Linder, The harried leisure class, New York: Columbia University Press, 1970. Uma formulação mais pitoresca, mas não menos exata, é a estória daquele homem de negócios dizendo ao outro enquanto correm pelo centro da cidade: “Estou trabalhando tanto que estou me matando e destruindo a minha família, mas estou ganhando tanto dinheiro que posso me dar a este luxo”, conforme relatada por Roland N McKean, “Spillovers from the rising value of time”, Quarterly Journal of Economics, 9, 1973, p. 638,

[13] John N. Robinson, “Social Change as measured by time budgets”, Journal of leisure research, 1 (1), 1969, p. 77.

[14] Trata-se de pesquisa realizada em 1966 junto a 584 chefes de família residentes na área urbana da Guanabara e dirigida em colaboração com Aspásia A. Brasileiro e Vilmar Faria. A descrição deste projeto encontra-se em meu artigo, “Exposição aos meios de comunicação de massa no Rio de Janeiro: um estudo preliminar”, Dados, 4, 1968, p. 145-168.

[15] Alexander Szalai e outros, The use of time: daily activities of urban and suburban populations in twelve countries, The Hague: Mouton, 1973.

[16] Os resultados para os demais países foram extraídos de Szalai et ali (1973), incluindo-se no quadro acima apenas as amostras de cidades maiores. Para uma explicação das categorias de atividades diárias, consulte-se o Apêndice II.

[17] Max Heirich, “The use of time in the study of social change”, American Sociological Review, 29 (3), 1964, p. 387.

[18] Linder, op. cit., p. 3.

[19] Gary S. Becker, “A theory of the allocation of time”, Economic Journal, 1965, pp. 493-517.

[20] Linder, op. cit., p. 16.

[21] Linder, op. cit., pp. 97 e seguintes.

[22] Leslie Kish, “A procedure for objective respondent selection within the household”, Journal of the American Statistical Association, 44, 1949, 380-387.

[23] Para maiores detalhes, consulte-se o Avant-projet de codification definitive pour l’enquete Internationale sur budget-temps, Bruxelas: Instituto de sociologia, Université Libre de Bruxelles, dezembro de 1964, mimeo.

 

Como citar este post

DE SOUSA, Amaury. As 24 horas do dia do carioca. Blog DADOS, 2021 [published 24 May 2021]. Available from: http://dados.iesp.uerj.br/dia-do-carioca/

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