Semana SciELO [Não existe “amanhã eu pago” na política]

Sidney Jard da Silva (Universidade Federal do ABC)


O artigo “Sindicalismo, Processo Decisório e Reforma da Previdência no Governo Lula”, DADOS (vol. 64, n. 2), busca compreender como governo e grupos de interesse são capazes de explorar, ou até mesmo suplantar, os arranjos institucionais existentes para fazer valer um processo negociado de reforma da Previdência. A principal contribuição do trabalho é apresentar bases empíricas que confirmam a importância da cooperação entre Executivo e Legislativo, para se explicar a produção de políticas públicas.

Nessa perspectiva analítica, mais do que impor unilateralmente a sua agenda, o Presidente da República deve negociar com o Congresso Nacional as suas posições e proposições. Em outras palavras, o protagonismo do Executivo no processo decisório das políticas públicas se dá por intermédio de um intenso e tenso processo de negociação com o Legislativo (Palermo, 2016; 2000; Silveira e Silva, 2014).

Os custos políticos das reformas previdenciárias não são concentrados apenas no Presidente da República, mas também nos deputados e senadores que são chamados a se pronunciarem em uma matéria impopular e de grande interesse para os seus respectivos eleitorados (Figueiredo e Limongi, 2001; 1998; Melo, 2002, 2004; Pierson, 1997).

Foi exatamente o que ocorreu no trâmite legislativo da reforma previdenciária do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Diante das dificuldades para aprovar a reforma da Previdência na própria base governista, Lula foi obrigado a negociar um acordo com a bancada sindical e os partidos de oposição que previa apresentação de uma nova Emenda Constitucional, PEC Paralela (PEC 77/2003), reduzindo os efeitos do projeto original, PEC Principal (PEC 67/2003), que sequer tinha sido aprovado Congresso Nacional.

Destaca-se, nesse ponto, o papel do Senado Federal enquanto instância de negociação e formulação de alternativas ao projeto do Executivo. Igualmente digno de destaque é o inédito protagonismo da bancada de senadores sindicalistas no processo de articulação e negociação de um acordo político envolvendo parlamentares da situação e da oposição com o objetivo de minimizar os efeitos negativos da reforma da Previdência.

Na construção dessa alternativa, destacaram-se desde o início os senadores de origem sindical Paulo Paim, Ideli Sal vatti e Heloisa Helena – todos, até então, filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). Muito embora tenham apresentado posicionamentos distintos e diferentes intensidades de envolvimento na construção da PEC Paralela, todos concordavam que a PEC 77/2003 era a única forma possível de minimizar os efeitos da PEC 67/2003.

A senadora Heloísa Helena, enfrentando um processo de expulsão dentro do PT por ter votado contra a PEC Principal, foi aquela que apresentou a postura mais crítica de denúncia do caráter “conservador” da proposta original do governo Lula. Paulo Paim, por sua vez, foi o grande articulador do acordo entre a base do governo e a oposição, envolvendo os parlamentares “rebeldes” do seu partido e entidades representativas dos servidores públicos. Finalmente, Ideli Salvatti, como a então líder do PT no Senado, apresentou e afiançou a proposta da PEC Paralela entre os partidos da base governista.

Na Câmara dos Deputados, o bloco sindicalista também contava com cargos estratégicos para uma participação qualificada no debate da PEC Paralela, a começar pela própria presidência da Casa, ocupada pelo ex-metalúrgico João Paulo Cunha (PT/SP). Além disso, o relator do projeto na Comissão Especial da Previdência (CESP), deputado José Pimentel (PT/CE), o líder do governo na Câmara dos Deputados, Prof. Luizinho (PT/SP) e o próprio líder do PT (principal partido da base governista), deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP), também eram integrantes da bancada sindical.

Assim, pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1988, os parlamentares sindicalistas ocupavam um lugar privilegiado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados para influenciar diretamente o processo decisório da política previdenciária. Essa posição singular permitiu aos legisladores de origem sindical minimizarem os efeitos negativos da reforma previdenciária sobre as suas bases eleitorais e sindicais, especialmente o funcionalismo público.

Parafraseando Melo e Anastasia (2006), a reforma da Previdência do governo Lula foi realizada “em dois tempos”. No primeiro tempo, na Câmara dos Deputados, o governo teve domínio de jogo. Entretanto, no segundo tempo, o Senado Federal apresentou-se como instância de veto que obrigou o Executivo a fazer concessões importantes na sua proposta de reforma da Previdência sem, no entanto, alterar o texto da PEC Principal. O ineditismo dessa solução parlamentar foi materializado na proposta de PEC Paralela formulada e articulada pela bancada de senadores sindicalistas.

Analisando retrospectivamente os principais lances da partida, o placar final da reforma da previdência do governo Lula parece indicar muito mais um empate do que uma vitória do Executivo sobre o Legislativo. Não por acaso, o jogo da reforma da Previdência continou (e continua) a ser jogado pelos governos que o sucederam.

Referências

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Para ler o artigo, acesse

JARD DA SILVA, S. Sindicalismo, Processo Decisório e Reforma da Previdência no Governo Lula. DADOS – Revista de Ciências Sociais [online].  2021, vol.64, n.02 [viewed 29 September 2021]. https://doi.org/10.1590/dados.2021.64.2.232. Available from: http://ref.scielo.org/6j2hkd

Links externos

Dados – Revista de Ciências Sociais: www.scielo.br/dados

Página Institucional do Periódico: http://dados.iesp.uerj.br/

Sidney Jard da Silva: https://cecs.ufabc.edu.br/docentes/contatos/23-docentes/169-sidney-jard-da-silva.html

 

 

Este texto foi originalmente publicado na semana especial SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/10/01/nao-existe-amanha-eu-pago-na-politica/#.YZeqz73MK3I

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