Efeitos Econômicos e Sociais do Confinamento Social em Angola: resultados preliminares

Carlos M. Lopes (ISPTEC) e José O. Van-Dúnem (UAN)


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Resumo

Os dados preliminares do questionário online realizado no âmbito do Projeto Efeitos Econômicos e Sociais do Confinamento Social em Angola, promovido pelo Centro de Estudos Jurídicos, Econômicos e Sociais (CEJES) da Universidade Agostinho Neto (UAN) de Angola, que registou 1211 respostas válidas, no período entre 20 de abril e 4 de maio de 2020, quando se iniciou a segunda fase do Estado de Emergência em Angola, revelam que 91% dos que responderam alteraram as suas formas de ocupação do tempo, 87% assumiram mudanças na atividade laboral e profissional, 81% nas práticas de consumo, 80% nas relações familiares e sociais, enquanto as transformações no perfil da procura e nos meios de acesso à informação receberam o menor número de ocorrências (65%). Este texto faz uma breve descrição da evolução da Covid-19 no país e do modo como o Governo angolano tem respondido à crise de saúde pública e apresenta sinteticamente os objetivos, a abordagem metodológica, os procedimentos, bem como os resultados esperados do projeto.

Para além de apurar em que medida os respondentes estariam ou não a acatar as restrições de mobilidade e as medidas de prevenção e higiene recomendadas pelas autoridades administrativas e sanitárias, o questionário procurou perceber também os efeitos, e eventuais mudanças, que o confinamento produziu sobre as pessoas em cinco diferentes dimensões: (1) práticas de consumo; (2) modos de ocupação do tempo; (3) relações familiares e sociais; (4) uso dos serviços públicos; (5) e perfil de procura e acesso à informação. Terão todos os entrevistados lidado com esta nova realidade de igual modo, ou será que variáveis como o sexo, a idade, a escolaridade, a área de residência, entre outras, determinaram diferentes respostas? Os resultados revelam que o contexto tem um papel importante, que os efeitos econômicos e sociais são assimétricos e que não há uniformidade de opiniões mesmo entre segmentos de respondentes homogêneos.

A partir dos resultados do questionário, na conclusão é enunciado um conjunto de eixos de análise que emergem como significantes e que serão objeto de exploração mais aprofundada, com o suporte de dados adicionais obtidos através de outros procedimentos de coleta de informação. Além disso, são tecidas algumas considerações sobre a relevância, pertinência e atualidade das respostas obtidas na pesquisa.

 

Introdução

O novo coronavírus se tornou abruptamente uma crise sanitária, econômica, financeira e social globalizada. Segundo o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, a pandemia de Covid-19 é o terceiro choque econômico, financeiro e social do século XXI, depois dos atentados do 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, e da crise financeira global de 2008. Como consequências da rápida disseminação e dos efeitos da doença, Gurría enumerou a suspensão da produção nos países afetados, com repercussões nas cadeias mundiais de abastecimento, e uma forte quebra no consumo. Pressionadas pelos efeitos da redução da procura global e do confinamento social, as economias mundiais estão já a sofrer o impacto da crise da pandemia, sendo aguardadas a contração do PIB, o aumento do déficit público, o crescimento do desemprego, a desvalorização cambial e a elevação da taxa de inflação.

Se os efeitos econômicos se mostram severos, não menos importantes serão os impactos sociais refletidos, entre outras dimensões, no aumento dos níveis de desemprego e de precariedade do trabalho, no crescimento da pobreza e da vulnerabilidade social, mas também em alterações nas práticas institucionais, na concretização das relações laborais, nos processos educativos, nos comportamentos de consumo, nos modos e instrumentos de comunicação e informação e nas relações humanas em geral.

 

A Covid-19 em Angola e a resposta do Executivo Governamental

Na última conferência para atualização sobre a situação da Covid-19 em Angola, realizada em 30 de maio de 2020, o Secretário de Estado para a Saúde Pública apresentou os seguintes dados: o país registava, até a presente data, 84 casos positivos, dos quais quatro resultaram em óbitos, 18 recuperados e 59 ativos, com um paciente que carece de cuidados especiais. Entre os infectados constam duas crianças de um e dois meses de idade. As autoridades sanitárias estão a seguir 455 casos suspeitos e 1.140 contactos dos casos suspeitos O primeiro caso entre os angolanos foi anunciado em 23 de março. Mas antes mesmo disso, o Executivo instituíra medidas para evitar a disseminação do vírus no território nacional.

Num primeiro momento, a resposta governamental foi a proibição de entrada em território angolano de todas as pessoas provenientes dos países mais afetados com a epidemia, como eram os casos da República Popular da China, Coreia do Sul, Irã e Itália. A decisão foi tomada pela Ministério da Saúde, através de um decreto, que foi justificado pela necessidade da prevenção da expansão do novo coronavírus no país. Posteriormente, o número de países foi sendo atualizado até ter sido determinado o fechamento geral das fronteiras.

Angola bloqueou as fronteiras aéreas, terrestres e marítimas à circulação de pessoas a partir das 00h00 de 20 de março por 15 dias, prorrogável por igual período em função do comportamento da pandemia de Covid-19, segundo um decreto presidencial promulgado no dia 18 de Março.

Num segundo momento, o PR decretou o Estado de Emergência, por um período de 15 dias (de 26 de Abril a 10 de Maio), onde se estabeleceram restrições de mobilidade e atividades econômicas como forma de promover o distanciamento social. Destacam-se, dentre as múltiplas restrições impostas, as que impactam de forma mais direta sobre as atividades informais, face à extensão desse setor na economia angolana.

Para compensar a perda de rendimentos associada às medidas e ao contexto de crise, foi acelerada a criação de um Programa de Transferências Monetárias, no âmbito do Programa de Fortalecimento da Proteção Social em Angola, cuja fase piloto estava prevista para começar em maio deste ano, com o plano de beneficiar com 8.500 kwanzas[1] (aproximadamente 14,76 USD), cada uma das 1.608.000 (um milhão e seiscentos e oito mil) famílias identificadas na pesquisa sobre pobreza multidimensional nos municípios, realizada em 2018. Uma outra iniciativa, oriunda do Ministério da Ação Social, Família e Igualdade no Gênero é a distribuição, em alguns municípios, a conjuntos de famílias, de uma cesta básica para suprir as suas dificuldades alimentares, que é constituída por arroz, feijão, açúcar, sal, massa e óleo. Além disso, estão a ser entregues também produtos de higiene, como lixívia (água sanitária) e sabão para que as ações preventivas contra o contágio possam ser realizadas.

Já num terceiro momento, o Estado de Emergência foi prorrogado por um novo período de 15 dias (de 11 a 25 de Maio), com alguma flexibilização das restrições fixadas nos primeiros quinze dias. Por fim, um quarto momento ocorreu com a recente entrada em vigor do Estado de Calamidade (no dia 26 de Maio), na sequência da aprovação em tempo recorde de uma nova lei da Proteção Civil, e o subsequente afrouxamento de diversas restrições, permitindo o início de uma fase de desconfinamento que se planeja gradual.

 

O Projeto Efeitos Econômicos e Sociais do Confinamento Social em Angola

O projeto foi lançado pelo CEJES-UAN para  efetuar uma primeira leitura sobre os efeitos econômicos e sociais do confinamento social. Para além do  questionário  online foi realizado um conjunto de webinars com dez palestrantes (psicólogos, sociólogos, economistas, juristas, atores relevantes da sociedade civil) divulgados através da rede social Facebook. Será lançado um segundo questionário online, um mês após o final da temporada de isolamento obrigatória. com o objetivo de  medir continuidades e diferenças de opiniões e atitudes, bem como de esboçar as práticas sociais associadas ao regresso a uma “nova normalidade”.

 

Resultados preliminares do questionário online aplicado durante o período de confinamento

A amostra totalizou 1211 respondentes, dos quais 46% eram mulheres e 56% homens. Entre eles, a faixa etária com 55 ou mais anos foi a menos representada na amostra (11%), que foi majoritariamente constituída por pessoas com idade entre os 25 e 44 anos (59%), sobretudo os indivíduos entre os 35 e 44 anos (34%). A maioria significativa dos entrevistados (71%) declarou ter graduação (licenciatura, 59%) ou pós-graduação (mestrado ou doutorado, 12%), enquanto 24% afirmaram frequentar o ensino superior. Em relação ao estado civil, os principais respondentes são os casados (41%), seguidos dos solteiros (40%) ou dos que estão em uniões de facto (11%). Dominam os que integram agregados familiares de 4 a 6 membros (46%) ou de 1 a 3 membros (39%), com apenas 4% fazendo parte de agregados familiares muito numerosos, de 10 ou mais membros. A maioria dos respondentes professa a religião católica (51%), uma parte significativa são protestantes (29%) e um percentual não negligenciável assumiu não ter religião (15% ). A Província de Luanda (87%) domina o local de residência dos entrevistados. Benguela, Lunda Norte, Huambo e Huíla, por sua vez, representam 8% da amostra, e as outras províncias e a diáspora  apenas 5%. Vale mencionar que foram recebidas respostas com origem em 16 das 18 províncias angolanas. Quanto à área de residência, 79% residem na área urbana, 18% na área periurbana e apenas 3% na área rural.

No que toca ao cumprimento das restrições de mobilidade e das medidas de prevenção e higiene, os resultados apurados revelam que 86% declararam ter obedecido rigorosamente às restrições de mobilidade determinadas. Em relação às medidas de higiene e prevenção de contaminação, por outro lado, 91% da amostra assumiu que sempre lava as mãos, 74% das pessoas mantêm recorrente uso do álcool gel, 57% realiza a desinfecção de objetos de uso cotidiano e apenas 47% usa máscaras faciais com frequência.

Uso de máscaras faciais Desinfecção de objetos de uso corrente Higienização frequente das mãos Uso de álcool gel
Sempre 47% 57% 91% 74%
Algumas vezes 31% 27% 8% 21%

 

Sobre os principais efeitos do confinamento social, os respondentes apontaram mudanças nos seguintes aspectos: formas de ocupação do tempo (91%), atividade laboral e profissional (87%), práticas de consumo (81%), e relações familiares e sociais (80%). As transformações no perfil da procura e nos meios de acesso à informação receberam o menor número de ocorrências (65%).

Mudanças na atividade profissional Mudanças nas práticas de consumo Mudanças nos modos de ocupação do tempo Mudanças nas relações familiares e sociais Mudanças no perfil da procura e meios de acesso à informação Mudanças nas relações com as instituições
87% 81% 91% 80% 65% 76%

 

Do total dos respondentes da amostra, 726 afirmaram desempenhar atividades essenciais, enquanto 426 declararam estar integrados em atividades não autorizadas no quadro das interdições decretadas pelo Estado de Emergência. Os dados revelaram que 53% dos entrevistados se encontravam em situação de teletrabalho, 9% em trabalho presencial por turnos e 38% em trabalho convencional. Observando as mudanças constatadas nas práticas de consumo, os respondentes acataram as regras de prevenção e higiene associadas aos atos de consumo (97%), reduziram a frequência dos deslocamentos para efetuar compras (93%) e passaram a gastar uma maior fatia dos respectivos orçamentos à aquisição de bens essenciais (73%); a opção pela compra de maiores quantidades em cada deslocação (55%) e a alteração dos locais habituais de abastecimento (54%) foram também relatadas por mais de metade das pessoas, registrando-se que apenas 50% dos inquiridos declarou ter reduzido as despesas de aquisição de bens e serviços.

Menor frequência  de deslocamentos para compras Redução das despesas de consumo Compra de maiores quantidades em cada deslocamento Impacto no rendimento de aquisição de bens essenciais Alteração dos locais habituais de abastecimento Práticas de medidas de prevenção e higiene
93% 50% 55% 73% 54% 93%

 

Sobre as mudanças nos modos de ocupação do tempo, os entrevistados declararam ter aumentado o tempo dedicado às atividades domésticas (91%), comunicação com familiares e amigos (82%), prestação de apoio aos familiares (60%) e lazer/entretenimento (55%). Mais reduzido foi o percentual dos respondentes que incrementaram o tempo despendido em atividade física/desportiva (33%) e atividade estudantil (37%).

Maior tempo de dedicação à atividade profissional Maior tempo de dedicação à atividade estudantil Maior tempo de dedicação às atividades domésticas Maior tempo de dedicação à aquisição de bens e serviços Maior tempo de dedicação a lazer e entretenimento Maior tempo de dedicação à atividade física e desportiva Maior tempo de dedicação à comunicação com familiares e amigos Maior tempo de dedicação ao apoio a familiares
43% 37% 91% 41% 55% 33% 82% 60%

 

Em relação às mudanças nas relações familiares e sociais, a preocupação com a saúde e segurança dos familiares e redes sociais de pertença emergiu como o dado mais expressivo, com 97% de respostas garantindo o cumprimento das regras de distanciamento, higiene e prevenção. Uma percentagem relevante dos respondentes (92%) reconheceu ter feito uso, com mais frequência e durante mais tempo, das opções proporcionadas pelas novas ferramentas de comunicação e as redes sociais, ter aproveitado melhor o tempo para conhecer necessidades de familiares e amigos (70%), ter participado mais nas tarefas domésticas (76%) e ter usado o tempo para atividades lúdicas com familiares (58%).

Cumprimento de regras de distanciamento, higiene e prevenção Maior recurso às tecnologias de comunicação Maior investimento no conhecimento das necessidades de familiares e amigos Mais tempo despendido em atividades lúdicas com familiares Maior partilha das tarefas domésticas
97% 92% 70% 58% 76%

 

No que se refere às mudanças no perfil da procura e meios de acesso à informação, 90% da amostra assumiu ter feito pesquisa específica sobre a Covid-19, enquanto 82% afirmou ter continuado a procurar informação de caráter geral. As redes sociais (88%)  suplantaram a rádio e a tv (85%) como principal meio de acesso à informação.

Maior procura de informação específica sobre a Covid-19 Maior procura de informação de carácter geral Maior uso dos meios de comunicação convencionais (rádio e tv) Maior uso dos portais informativos Maior uso das redes sociais
19% 82% 85% 83% 88%

 

Finalmente, no que concerne às mudanças no uso dos serviços públicos, 91% dos inquiridos reconheceu ter feito menor uso dos serviços públicos (licenciamentos, notariado, tribunais, etc.) uma vez que grande parte deles estava a funcionar em regime muito condicionado. Os que tiveram necessidade de aceder a esses serviços fizeram-no sobretudo através das plataformas digitais (77%) que as instituições possuem, ou que colocaram à disposição dos cidadãos durante o período de confinamento.

Menor uso dos serviços públicos Maior uso das plataformas digitais
91% 77%

 

Eixos analíticos para aprofundamento e discussão

A partir dos resultados preliminares desta pesquisa é possível apontar alguns elementos sobre o contexto angolano:

– forte impulso à presença do digital no cotidiano, com a aceleração da apropriação “forçada” pelo confinamento da tecnologia e das suas ferramentas, com caráter transversal às diferentes dimensões da vida social (no trabalho, no ensino, na comunicação, no lazer, nas interações pessoais);

– novas percepções dos seguintes aspectos: o trabalho e seus modos de execução (bem evidentes nas vantagens e desvantagens do teletrabalho); a habitação e as formas do seu usufruto; as formas racionais de arbitragem de ocupação do tempo individual e coletivo;

– reconfigurações das relações familiares e sociais, das expressões afetivas e dos modos de convivialidade, associadas ao imperativo de distanciamento físico; implicações sobre as relações de gênero associadas a uma atitude mais cooperativa em relação às atividades domésticas; tensões entre a maior proximidade resultante de mais tempo partilhado em comum e o isolamento gerado pela crescente onipresença dos gadgets tecnológicos;

– revalorização da saúde como variável central da qualidade de vida, potencialmente correlacionada com alguma reformulação de valores e mentalidades no sentido de uma maior consciência de interdependência  e responsabilidade comunitária e de percepções sobre o papel dos atores e das instituições (nomeadamente o papel do Estado).

Outros caminhos serão necessariamente percorridos com a conclusão do relatório analítico e a produção de textos para publicação em meios científicos. Os dados gerados permitem alimentar a certeza da relevância, pertinência e atualidade da produção de conhecimento sobre os efeitos econômicos e sociais do confinamento social em Angola, que constituirá um subsídio adicional para os estudos sobre a pandemia de Covid-19.

 

Notas

[1] Kuanza (moeda local).

 

Como citar este post

LOPES, Carlos; VAN-DUNEM, José. Efeitos Econômicos e Sociais do Confinamento Social em Angola: resultados preliminares. Blog DADOS, 2020 [published 19 june 2020]. Available from: http://dados.iesp.uerj.br/confinamento-em-angola/

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