Publicado no blog Scielo em Perspectiva – Humanas em 14/5/2019
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais investigaram o impacto que o número de crianças pequenas presentes no domicílio tem sobre a inserção no mercado de trabalho e os salários de homens e mulheres. Gênero e classe têm permeado o debate sobre desigualdades no Brasil pelo menos desde o final dos anos 1970 (KERGOAT, 1978; SOUZA-LOBO, 2011), mas somente neste século é que a “consubstancialidade” (KERGOAT, 1978; 2010) destas duas características passou a ser sistematicamente investigada – tanto de inserção quanto de rendimento – no mercado de trabalho (SANTOS, 2008). No artigo “Diferenciais de participação laboral e rendimento por gênero e classes de renda: uma investigação sobre o ônus da maternidade no Brasil” publicado no periódico Dados – Revista de Ciências Sociais (v. 62, n. 1), constataram que cada criança a mais no domicílio diminui em cerca de oito pontos percentuais a probabilidade de as mulheres de classe baixa trabalharem. Já as mães de classe alta parecem ser imunes à chamada penalidade materna, já que tanto suas chances de estarem empregadas quanto o seu salário são parecidos aos dos pais desta mesma classe.
O estudo desmistifica duas falácias do senso comum. A primeira é a que mulheres ganham sempre menos que os homens, e a segunda é que ter filhos compromete o seu sucesso no mercado de trabalho. Estas duas afirmações incondicionais não se sustentam ao se considerar a classe de renda destas pessoas e ao se comparar homens e mulheres com nível educacional, idade, raça e ocupações similares. A pesquisa constatou que homens recebem salários, em média, 44% maiores que os das mulheres, mas reportou que se diminuí esta diferença para entre 7% e 27% ao se comparar pais e mães com características e inserção ocupacional parecidas.
Por um lado, entre os cinco por cento mais ricos da população, não foram constatadas diferenças significativas entre os salários de homens e mulheres. Segundo os autores, melhores salários permitem a compra de serviços domésticos – babás, creches, restaurantes, serviços de limpeza – e maior comprometimento com a especialização profissional. As mães de classe alta não precisam, necessariamente, optar entre cuidar da família ou trabalhar fora de casa, já que a maior afluência de recursos lhes permite conciliar estas escolhas com maior conforto que aquelas em classes mais baixas.
Por outro lado, as mulheres no extremo oposto da distribuição de renda, entre os cinco por cento mais pobres, estão menos inseridas no mercado de trabalho e, entre as que trabalham, verificou-se um grave hiato salarial no qual os homens ganham entre 22% e 88% a mais que as mulheres. As discrepâncias salariais, no entanto, não se devem ao número de crianças presentes no domicílio, mas poderiam ser atribuídas à desvalorização de algumas ocupações específicas de classe baixa, ou à discriminação e também a “outras características atreladas ao salário, mas não captadas quantitativamente, tais como a eficiência individual, perseverança, autonomia, a habilidade de trabalhar em grupo, de resolver problemas, a inteligência emocional, o grau de influência social, a distância do trabalho, a qualidade da escolaridade e outros aspectos cognitivos e não cognitivos influentes” (MUNIZ; VENEROSO, 2019, p. 20).
Os resultados apresentados baseiam-se em dados nacionalmente representativos de 2008, mas nada sugere que a realidade de hoje seja diferente daquela de dez anos atrás.
Nota: As predições assumem “tipos ideais” prevalentes na amostra: pessoas brancas, sem ajuda no domicílio e com as demais variáveis contínuas fixadas na média. As barras representam intervalos de confiança estatística de 95%. A probabilidade média de estar trabalhando, para ambos os sexos, é igual a 0,62.
Referências
KERGOAT, D. Ouvriers = ouvrières? Propositions pour une articulation théorique de deux variables: sexe et classe sociale. Critiques de l’Économie Politique, v. 5, p. 65- 97, 1978.
KERGOAT, D. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estud. – CEBRAP, n. 86, p. 93-103, 2010. ISSN: 0101-3300 [viewed 12 May 2019]. DOI: 10.1590/S0101-33002010000100005. Available from: http://ref.scielo.org/fmskgb
SANTOS, J. A. F. Classe social e desigualdade de gênero no Brasil. Dados, v. 51, n. 2, p. 353-402, 2008. ISSN: 0011-5258 [viewed 12 May 2019]. DOI: 10.1590/S0011-52582008000200005. Available from: http://ref.scielo.org/v8q78k
SOUZA-LOBO, E. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011.
Para ler o artigo, acesse
MUNIZ, J. O. and VENEROSO, C. Z. Diferenciais de Participação Laboral e Rendimento por Gênero e Classes de Renda: uma Investigação sobre o Ônus da Maternidade no Brasil. Dados, v. 62, n. 1, e20180252, 2019. ISSN: 0011-5258 [viewed 12 May 2019]. DOI: 10.1590/001152582019169. Available from: http://ref.scielo.org/qvmnk9
Links externos
Dados – Revista de Ciências Sociais – DADOS: www.scielo.br/dados/
Gender pay gap 2019: http://www.payscale.com/data-packages/gender-pay-gap/
Base de dados utilizada na pesquisa: http://centrodametropole.fflch.usp.br/pt-br/download-de-dados
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