Semana SciELO [A transnacionalização de agricultores familiares e camponeses brasileiros]

Priscila Delgado de Carvalho (INCT e UFMG)


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Em várias partes do mundo os camponeses e camponesas, contrariando a associação ao tradicional, ao não moderno ou à passividade, constroem ações de cooperação, de contestação e de protestos por meio de alianças que sobrepõem origens nacionais (Borras e Edelman, 2016). No Brasil, a população rural engaja-se em debates e disputas, que perpassam conexões transnacionais, por meio de organizações sindicais e de movimentos sociais. A pesquisa “Controvérsias e a Produção do Transnacional: Os Casos da Contag e do MPA” busca expandir o que sabemos sobre a atuação internacional dessas organizações. Enquanto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é a organização brasileira mais conhecida por sua atuação internacional (Rosa, 2015), a proposta aqui foi acompanhar dois outros grupos. Um deles é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), mais antiga organização sindical rural do país, funda em 1964 e que mantém conexões com o sindicalismo internacional desde então, mas foi expandindo e modificando esses laços até se tornar uma liderança regional na apresentação das demandas da agricultura familiar aos países do Mercosul e, a partir dessa experiência, ganhar projeção internacional e envolver-se sobretudo em debates na Fao/Onu. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), criado na década de 1990, depois de trazer para a sua plataforma política formulações de camponeses inseridos em debates internacionais – em especial a ideia de soberania alimentar, proposta pela Via Campesina – estabeleceu-se como ator internacional a partir de uma agenda em torno da multiplicação e defesa de sementes crioulas e da biodiversidade a elas associada.

Os processos de transnacionalização da Contag e do MPA são analisados a partir das controvérsias nas quais se engajaram. O artigo busca provar o argumento de que controvérsias são ferramentas úteis para enfrentar os desafios colocados às interações contemporâneas que envolvem diversas fronteiras e escalas. Controvérsias são disputas nas quais atores se envolvem e por meio das quais ficam visíveis as conexões e associações que estabelecem. Trata-se de questões marcadas por desentendimentos e incertezas: pautas ainda não estabilizadas, cujos sentidos e composições estão em disputa. Não se tratam, assim, de disputas entre os grupos aqui estudados, mas de questões nas quais cada um deles se envolveu ou ajudou a estabelecer. Nelas, tornam-se visíveis as conexões estabelecidas pelos grupos em sua ação, dado que ao se posicionar precisam dizer o que pensam, com quem conversam e a que grupos se aliam ou se opõem. Disputas também são momentos propícios para que novas conexões (ou associações) sejam estabelecidas.

As controvérsias transnacionais nas quais a Contag se envolveu, ou que ajudou a criar, foram organizadas em seis categorias: controvérsias sindicais, condições de trabalho, liberalização do comércio internacional, modelo de agricultura e presença das mulheres. A sexta controvérsia, presença de jovens nos debates transnacionais, é mencionada, mas não configura tema permanente.

Na experiência do MPA, referências a questões internacionais estiveram presentes desde as primeiras pautas nacionais (1998, 2001 e 2002). Incluíram demandas pelo controle da importação de alimentos e por subsídios e compensações, como medidas de proteção à agricultura nacional. Porém, não foi pela via das controvérsias sobre comércio internacional que o MPA construiu suas associações transnacionais. Os debates priorizados e que produziram articulações duradouras foram aqueles relativos à soberania alimentar, presentes desde 2001 nas pautas nacionais da organização.

O artigo contribui com a literatura sobre transnacionalização de ativismos rurais porque ajuda a compreender como coletivos da mesma origem nacional e que articulam grupos rurais semelhantes – e por vezes superpostos, ainda que não idênticos –, constroem trajetórias transnacionais específicas. Isso requer, conforme argumentou-se nesse artigo, compreender a diversidade das questões priorizadas e as maneiras encontradas para se inserir nos debates internacionais, por vezes questionando-os, por vezes incorporando-os como ferramentas para disputas nacionais em curso.

A consolidação da inserção transnacional dos movimentos estudados ocorreu quando as organizações:

a) formularam uma plataforma política própria, isto é, temas que pretendiam levar para os debates transnacionais ou sobre os quais pretendiam incidir, incluindo formulações sobre quais eram as disputas em questão e qual era sua contribuição para elas; e

b) conseguiram ter papel em construir e manter as organizações transnacionais com as quais se articulam. Isso ocorreu, nos casos aqui apresentados, quando as organizações formularam (ou foram relevantes para a formulação de) maneiras próprias de agregar elementos. Quando fazem isso, elas se tornam centrais para as redes que estabelecem e sua transnacionalização muda de perfil: constroem mais articulações, independentes; carregam suas formulações para essas interações e são levadas por elas a novas articulações, de modo que conexões prévias passam a criar condições para que novos laços se estabeleçam. Dessa maneira, produzem uma dinâmica transnacional mais intensa e com maiores efeitos sobre as próprias organizações, consolidando sua ação transnacional.

As filiações de movimentos nacionais a redes internacionais não foram, por si só, suficientes para determinar quais seriam as questões que constituiriam sua ação transnacional. Ao contrário, entre as possibilidades que o pertencimento a cada rede ou organização internacional abre, de maneira contingencial, cada organização fez escolhas, priorizou atividades e estabeleceu associações específicas. Se várias tentativas foram frustradas, outras prosperaram e geraram novas associações.

Os dados provêm de fontes documentais da Contag (anais de todos os seus congressos nacionais, relatórios anuais e publicações como jornais e declarações) e do MPA (pautas nacionais, documentos públicos mantidos por militantes do movimento e publicações reunidas durante visitas de campo). Foram consultados arquivos da CPT e do MST, assim como o Arquivo Lyndolpho Silva da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). As informações, que abrangem o período desde a fundação das organizações até o ano de 2017, foram complementadas por entrevistas e observações participantes. Entre 2015 e 2017 foram realizadas 15 entrevistas com militantes do MPA e outras 28 com ativistas ligados à Contag (14 sindicalistas, seis assessores e oito ativistas ou funcionários de organizações internacionais com as quais a Contag se relaciona).

Referências

ROSA, M. C. A journey with the movimento dos trabalhadores rurais sem terra (mst) across Brazil and on to South Africa. Études Rurales [online].2015, no.196, pp. 43-56 [viewed 28 September 2021]. https://doi.org/10.4000/etudesrurales.10371. Available from: https://journals.openedition.org/etudesrurales/10371

BORRAS Jr., S. and EDELMAN, M. Political dynamics of transnational agrarian movements. Nova Scotia: Fernwood Publishing, 2016.

Para ler o artigo, acesse

CARVALHO, P. D. Controvérsias e a Produção do Transnacional: Os Casos da Contag e do MPA. Dados [online]. 2021, vol.64, no.02 [viewed 28 September 2021]. https://doi.org/10.1590/dados.2021.64.2.234. Available from: http://ref.scielo.org/dyfrv2

Links externos

Dados – Revista de Ciências Sociais – DADOS: www.scielo.br/dados

Página Institucional do Periódico: http://dados.iesp.uerj.br/

Priscila Delgado de Carvalho Lattes: http://lattes.cnpq.br/1686317804189819

Priscila Delgado de Carvalho: https://scholar.google.com.br/citations?user=C6K75KkAAAAJ&hl=pt-BR

 

Este texto foi originalmente publicado na semana especial SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/09/30/a-transnacionalizacao-de-agricultores-familiares-e-camponeses-brasileiros/#.YZenub3MK3I

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