Reformas Penais na Colômbia (1830-1940): Ideologias Políticas, Organização do Poder e Valores Sociais

Aura Felizzola (Universidad Santo Tomás) e Gláucio Ary Dillon Soares (IESP-UERJ


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Quais são os condicionantes das reformas na lei penal (não nas práticas penais)?  Constantemente, diferentes setores da opinião pública, muitas vezes ideologicamente opostos, clamam por reformas penais como resposta às demandas de segurança. São cada vez mais frequentes os recursos jornalísticos (e políticos) de publicar declarações das vítimas de crimes, e de culpar a legislação e os funcionários dos órgãos da justiça pela percepção de aumento da criminalidade. Aparentemente, os motores das reformas penais são as pressões de indivíduos e de setores da opinião pública, que defendem seus direitos e interesses, frente a fatos e sujeitos criminais que os vulneram. Porém, quando se revisam as teorias da punição e, principalmente, quando se analisam empiricamente as reformas penais em perspectiva histórica, as respostas se mostram mais complexas. Existe uma estreita relação entre democracia e severidade das punições.

O artigo foca-se na análise das reformas constitucionais (movimentos de centralização/ descentralização do poder) e das punições previstas em quatro códigos penais colombianos, adotados nos anos de 1837, 1873, 1890 e 1936. A análise quantitativa dos códigos penais se fez em três passos: a elaboração de um inventário de tipos penais em cada codificação penal, o enquadramento dos tipos penais dentro de categorias sociológicas e do direito penal (“bens jurídicos tutelados”), e a comparação das médias das penas previstas para um mesmo grupo de delitos ao longo do tempo. A análise permite evidenciar as diferenças na severidade das punições entre governos de ideologia política liberal e conservadora, num sistema político marcadamente bipartidário.

 

Resultados

1. A quantidade de tipos penais nos códigos variou segundo o regime político: nos regimes liberais foi eliminada a pena de morte, e diminuiu a quantidade de tipos penais em até 240%:

Gráfico 1. Total de tipos penais 1837-1936

 

2. Os dados das médias das penas mínimas e máximas evidenciam que não houve uma tendência unidirecional, mas sim oscilações na severidade das penas segundo a ideologia da administração – tanto para delitos coletivos (atentados contra o Estado, a nacionalidade, as relações sexuais legítimas, a religião, e o trabalho), quanto para os individuais (vida, liberdade, patrimônio, honra, e demais atributos dos sujeitos). No regime federal/liberal foi reduzida em até 70% a duração das punições mínimas e máximas:

Gráfico 2. Média de penas mínimas e máximas para delitos coletivos

 

 

Gráfico 3. Média de penas mínimas e máximas para delitos individuais

 

3. As datas de sanção dos códigos penais coincidem com a expedição de novas constituições políticas (Peñas-Felizzola, 2016). As mudanças de um sistema centralista para um federal (ou vice-versa) ocorreram simultaneamente às mudanças ideológicas no governo: o liberalismo se orientou a implantar um sistema federal e o conservadorismo teve sempre reivindicações centralistas. Portanto, não é possível considerar separadamente a influência de cada fator (ideologia e forma de organização do poder) nas reformas penais.

4. Mudanças importantes na ideologia do governo geraram reformas na orientação da legislação sobre bens/valores individuais ou coletivos, e na severidade das penas (na existência ou não de pena de morte, e na duração das penas). A severidade das punições mudou segundo o grau de autoritarismo do regime político. Nos regimes conservadores, orientados pela ideologia tradicionalista, católica: a) a pena de morte foi reintroduzida, b) o catálogo de condutas puníveis foi incrementado, e c) aumentou a duração das penas de privação da liberdade. Nas reformas penais conservadoras e autoritárias deterioraram-se as garantias dos direitos das mulheres, diversidades sexuais, crianças, oposição política, e demais grupos em conflito com a autoridade tradicional. Nos regimes liberais foi eliminada a pena de morte, diminuída a quantidade de tipos penais, e reduzidas em até um terço a duração das penas mínimas e máximas.

5. Os resultados encontrados se aproximam dos alcançados em outras pesquisas sobre o Brasil contemporâneo, que demostram a expansão do punitivismo legislativo pós-Constituição de 1988, abandeirado pelos partidos de centro e direita (Campos, 2014). Os dados sobre os sistemas penais relacionados à severidade das punições e à proteção/perseguição de grupos sociais permitem evidenciar processos de democratização e “des-democratização” dentro de um mesmo país ao longo do tempo, assim como entre países (Tilly, 2003).

6. Os redatores dos códigos, que foram juristas muito próximos do regime político que os implementaram, se tornaram agentes da incorporação na legislação positiva da ideologia do regime. São um tipo especial de jurista, mais qualificado tecnicamente que os parlamentares ou assessores presidenciais – que propõem e sancionam leis extravagantes ou decretos penais em situações de conjuntura. Os redatores de códigos penais também têm uma visão de conjunto da política, que não necessariamente tem um impulsionador de leis penais. Se diferenciam três perfis de legisladores penais no Brasil e na Colômbia (Peñas-Felizzola, 2018a). A primeira geração foi a dos ideólogos da fundação do Estado nacional (código de 1830 no Brasil, e códigos de 1837, 1873 e 1890 na Colômbia). A segunda geração foi a dos juristas-especialistas (código brasileiro de 1890, e códigos colombianos de 1936 e 1980). Atualmente, o judiciário tem tido um papel protagonista (Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012 – novo código penal brasileiro, e código colombiano de 2000).

7. O Executivo tem o controle da agenda punitiva. A penalização objetiva, ou punition in the books, dirige-se a impor ideias de ordem social, e essas ideias derivam sobretudo da ideologia do regime político. Os atores do governo buscam a realização de ideologias, no sentido de programas de ação social e política, e são essas forças em luta que definem o direito penal e o tratamento do sujeito delinquente. O direito penal mostra-se altamente influenciado por vieses ideológicos.

8. Porém, a hierarquia dos valores sociais tutelados, tanto coletivos quanto individuais, tende a permanecer estável no longo prazo, sendo independente, tanto da orientação ideológica das reformas políticas, como das mudanças na forma de organização do poder (centralismo/federalismo). Na Colômbia, o sistema penal foi utilizado para castigar principalmente três tipos de contravenções (Peñas-Felizzola 2018b). Primeiramente, atentados contra deveres derivados da nacionalidade – apesar de terem ocorrido poucos conflitos armados contra inimigos externos na Colômbia, depois das guerras de Independência contra a Espanha (1810-1819), o Equador (1832) e contra o Peru (1911). Em segundo lugar, atentados contra as relações sexuais legítimas. E em terceiro, delitos contra o Estado, sobretudo fraudes e falsidades em prejuízo do monopólio fiscal. As ideias de ordem precisam ser explicadas também por fatores culturais, e não só em função do contexto político.

 

Referências

CAMPOS, Marcelo. (2014) “Crime e Congresso Nacional: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 15, pp. 315-347. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522014000300315&lng=pt&tlng=pt

PEÑAS-FELIZZOLA, Aura. (2018a), “El perfil de los redactores de códigos penales en perspectiva comparada (Brasil-Colombia): sobre cómo las ideologías políticas se plasman en el derecho penal”, in: E. Escalante (ed.). Política criminal mediática. Populismo penal, criminología crítica de los medios y de la justicia penal. Bogotá, Ibáñez, Universidad Nacional de Colombia, pp. 643-669.

PEÑAS-FELIZZOLA, Aura. (2018b), “La producción del derecho público y penal en la fundación del Estado nacional en Brasil y Colombia (1808-1849)”, in: B. Marquardt e D. Llinás (eds.), Historia del derecho público. Bogotá, Ibáñez, pp. 413-456.

PEÑAS-FELIZZOLA, Aura. (2016), “Ensayando la libertad. Reformas constitucionales y conflictos armados en perspectiva comparada, Brasil y Colombia (1821-1990)”, in: B. Marquardt (ed.), Paz a través del derecho y de la Constitución. Anuario VI del Grupo de Investigación Constitucionalismo Comparado-CC. Bogotá, Ibáñez, pp. 141-168.

TILLY, Charles. “Inequality, Democratization, and De-Democratization”. Sociological Theory, Vol. 21, Issue 1, 2003.

 

Para ler o artigo, acesse:

FELIZZOLA, Aura.; SOARES, Ary. (2020), «Reformas Penais na Colômbia (1830-1940): Ideologias Políticas, Organização do Poder e Valores Sociais». DADOS, vol.63, n.2. DOI:10.1590/001152582020209 Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582020000200204&tlng=pt

Links externos

DADOS – Revista de Ciências Sociais: www.scielo.br/dados

Como citar este post

FELIZZOLA, Aura.; SOARES, Ary. (2020), Press Release DADOS, «Reformas Penais na Colômbia (1830-1940): Ideologias Políticas, Organização do Poder e Valores Sociais». Blog DADOS, [published 8 December 2020]. Available from: http://dados.iesp.uerj.br/reformas-penais-na-colombia/

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